Seis aprendizados da crise de imagem do Carrefour. Por Ana Flavia Bello e Dario Menezes.

O ano de 2020 tem sido bastante generoso para quem quer aprender como gerenciar crises de imagem. O que não falta são casos, seja no Brasil ou no Exterior, seja por conta da pandemia ou pelos erros corporativos habituais. O recente caso de crise de imagem envolvendo os Supermercados Carrefour no Brasil é um deles. Este episódio trouxe à luz muitos aprendizados para as organizações em relação à gestão de crises.

Neste artigo trazemos nossas percepções sobre seis pontos que merecem atenção:

1. UM INCIDENTE PODE ESCALAR MUITO RAPIDAMENTE PARA UMA CRISE. AGILIDADE NA RESPOSTA É FUNDAMENTAL.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto PoderData/Band, entre dias 23 e 25 de novembro de 2020, 77% da população disse estar informada sobre o caso que envolveu o assassinato de um cliente por seguranças de uma loja dos Supermercados Carrefour em Porto Alegre, no último dia 19 de novembro.

Incidentes com morte sempre são considerados críticos. Como agravante, com o avanço tecnológico e crescimento das redes sociais, um evento que normalmente ficaria restrito dentro da empresa e a poucas pessoas que presenciaram a cena, torna-se público e compartilhado por milhões de pessoas em poucos instantes. Por isso nunca se deve menosprezar a velocidade de crescimento e o potencial de alcance de uma crise. Agilidade na resposta é fundamental para conter essa escalada.

O Carrefour demorou a responder adequadamente porque provavelmente subestimou o potencial de escalada desta crise, a qual teve grande repercussão internacional, culminando com manifestações sociais, boicotes à marca e queda nas ações da companhia no mercado financeiro.

2. COMO UMA EMPRESA RESPONDE A UMA CRISE DETERMINA SE ELA SERÁ AGRAVADA OU ABRANDADA.

Não apenas a agilidade, mas as ações tomadas; a forma e o conteúdo da resposta fazem toda a diferença para o curso de uma crise. O Carrefour errou no teor e no tom das primeiras respostas. Levou dias para – de fato – prestar seu apoio à família da vítima e para adotar medidas que fossem consideradas minimamente reparatórias. Adotou uma estratégia inicial de terceirizar a culpa quanto ao assassinato. Foi protocolar, formal e distante nas comunicações.

3. AS CRISES ENVOLVEM FATORES SOCIAIS ALÉM DAS PAREDES DA ORGANIZAÇÃO. É IMPORTANTE TER MAPEADOS GATILHOS.

Muitas vezes, o gatilho da crise não se restringe ao incidente em si, mas está relacionado a um contexto social muito maior. O Carrefour negligenciou a questão racial envolvida no incidente – uma questão que nos últimos anos tem sido motivo de diversas manifestações sociais de altíssimo impacto em todo o mundo.

A mesma pesquisa realizada pelo Instituto PoderData/Band aponta que 59% das pessoas entendiam que o Sr. João Alberto foi agredido e morto por ser negro.

Na declaração em vídeo de seus executivos o Carrefour mostrou total desconhecimento quanto ao racismo estrutural brasileiro, justificando que havia muitos colaboradores negros em seu quadro.

4. REINCIDENTES NÃO SÃO PERDOADOS. A INTERNET NÃO ESQUECE CRISES PASSADAS.

As pessoas tendem a perdoar erros quando há uma reparação que consideram justa. Por outro lado, reincidentes raramente são perdoados. O Carrefour foi palco de diversas crises recentemente como a do cachorrinho Manchinha que foi morto por um funcionário do mercado em Osasco e de uma situação em mercado do Recife – este ano ainda -, quando o corpo de um funcionário terceirizado foi mantido dentro da loja aberta, apenas coberto por guarda-sóis promocionais.

Na era digital, a internet não esquece. Tudo fica registrado e é facilmente encontrado. Quando uma nova crise envolvendo a marca surge, os erros do passado são trazidos novamente à tona pela sociedade.

É preciso “aprender a aprender” com crises passadas para evitar futuras.

5. TER COMITÊ E MANUAL DE CRISES NÃO GARANTE O PREPARO PARA CRISES REAIS. CONTAR COM O APOIO DE PROFISSIONAIS EXPERIENTES PODE FAZER TODA DIFERENÇA.

Muitas vezes as empresas entendem que estão preparadas para enfrentar crises porque organizaram um comitê de crise e possuem um manual de crise na gaveta. Estes são requisitos básicos, mas que não garantem de forma alguma um bom gerenciamento de uma crise. Implementar gestão de crises não requer grande investimento financeiro mas, sobretudo, vontade da alta liderança em mudar.

A preparação real para gerenciar crises se dá quando existe uma cultura de prevenção disseminada na organização. No momento crítico, contar com profissionais preparados e treinados, com capacidade analítica e prontidão para ação é fundamental.

6. GERENCIAR CRISES SIGNIFICA ANTES DE TUDO TER RESPEITO E CUIDADO COM PESSOAS.

Mais de 10 dias após o incidente, o Carrefour finalmente pareceu entender sua responsabilidade sobre o incidente e seu papel como agente de mudanças, implementando ações concretas.

Além de demostrar efetivamente o apoio que estava dando à família, abriu um canal interno de escuta, adotou novas medidas de segurança para as lojas e abriu um comitê externo de livre expressão sobre diversidade e inclusão.

Gerenciar crises não se resume a utilizar protocolos prontos de resposta para reduzir os impactos negativos sobre a organização. Isso poderia funcionar há duas décadas, mas definitivamente está muito longe do que uma organização pode fazer atualmente.

Para gerenciar uma crise deve-se, acima de tudo, colocar as pessoas no centro da atenção, demonstrando respeito e cuidado.

Para concluir, vemos que mesmo empresas grandes têm muita oportunidade de melhorar seu preparo para gerenciar crises.

Ana Flávia é sócia-fundadora da Alerta de Crise, plataforma tecnológica para gerenciamento e comunicação de incidentes e crises (www.alertadecrise.com.br).

Dario Menezes é diretor executivo da Caliber, consultoria internacional especializada na reputação corporativa (www.groupcaliber.com.br).