Raiz da Pedagogia. Por Juliana Tonin.

É uma história triste?

Não! Mas a de muitos alunos meus, sim.

A Pedagogia me escolheu. Eu a escolhi de volta. E assim andamos juntas por duas pistas, ora de barro, ora de calçada.

Naquela tarde, veio para o meu colo chorando. Sentia dor de barriga. Abraçou-me com força. Agarrou-me… Urrou!

A salinha de maternal tinha dois metros quadrados. Havia paredes, uma cortina, mesinha redonda com algumas cadeiras e uma caixa de feira com uma boneca sem pernas, panelinhas…

— Tenho de transformar este espaço!

Estruturei a sala com a minha pedagogia, meu esforço, dinheiro e apoio de amigos e parentes. Estava com sangue nos olhos pela aprovação no concurso municipal do litoral, muito estimulada. Filha e sobrinha de educadores, sozinha com todas as crianças, sem auxiliar, daria conta.

Ele não parava de urrar. Nem se desgrudava. Uma colega, atenta aos gritos, tenta afastá-lo do meu corpo. Ele se prende em mim ainda mais. Eu era o vínculo dele ali. Consegui inserir uma almofadinha entre nós para afagá-lo.

Mas ele berrava. Fazia força. Muita!

Era o mais novo de uma família de onze. Franzino como quem comesse pouco.

De repente, algo quente começou a escorrer em mim.

— Ele está tendo um ataque de vermes! — Vertiam do nariz e da boca do menino para cima de mim.

— Vai morrer! — Eu me apavorei.

Busquei socorro na Direção, em meio a cascata dos vermes todos.

— A mãe dele chegou! — anunciou a diretora.

Também havia chegado ao fim o ataque, tudo no meu corpo.

Olhei pela janela e vi a carroça da mãe do menino estacionada. A diretora levou-o para ela, que seguiu rumo ao posto de saúde.

Precisei me recompor por fora. Em choque, senti que, a partir dali, havia criado uma casca grossa daquelas que não cozinha mais na primeira fervura.

Nojo? Nunca mais!

Passei a ser reconhecida e acionada para situações de limpeza pesada envolvendo crianças.

Mas essa história não é sobre meus avanços em relação ao nojo. É sobre algo mais profundo… pedagógico!

Começou logo que passei no vestibular pela UERGS. Lá, um universo se abriu para mim: Educação Emancipadora, Paulo Freire… Eu estava deslumbrada.

Criei uma expectativa da Pedagogia como algo muito redentor: transformaria o mundo. Eu e minha força juvenil.

Já no segundo semestre, tive a oportunidade de começar um estágio em uma escola de educação especial do litoral. Atendia apenas crianças neurodiversas, embora não houvesse esta nomenclatura na época. Todas as crianças que não se adaptavam às escolas formais iam para lá.

Empolgada, eu trabalhava na secretaria, ajudando a secretária e a diretora. Mas sempre queria estar com as crianças. Na hora do recreio, eu aproveitava.

Havia uma menina que, por tomar um medicamento vencido, ou algo assim, passou a ter uma série de convulsões e diversas sequelas. Sem falar, nem fechar a boca, sempre babando.

— Olha! A fraldinha! — Os professores a lembravam. E ela se secava.

Sempre me procurava. Porém, um odor pouco higiênico saía de sua boca. Não sei se era por causa do problema, falta de cuidado, talvez um TEA junto… nunca soube. E foi aí, bem ali, nesse primeiro estágio, com aquela menina, que poft! – toda a minha pedagogia redentora foi por terra.

— Tu tens nojo das crianças! — Eu me diagnostiquei.

Sentia náuseas quando ela chegava perto de mim.

— Como não consigo estar perto de uma criança? — Eu me culpava.

— Desce! Estás muito alta. A pedagogia não é tudo isso que imaginas. — Eu me educava.

Saída a campo pela Comunidade, entrevistas, congressos, muitas expectativas maravilhosas, mas chego na escola e sinto ânsia quando uma criança se aproxima de mim! Relutante, percebi que se tratava de um aprendizado muito simbólico. Mas qual?

Eu me acostumei com o cheiro. Parei de sentir as náuseas. Conseguia estar com ela. Meu conflito se assentou diante da fragilidade humana e de tudo aquilo que a pedagogia seria capaz ou incapaz de fazer.

Foi uma longa caminhada numa pista de barro, de “pedagogia raiz”!

Durante a pós-graduação, ainda antes do concurso e da decisão de fixar morada na capital gaúcha, tive a oportunidade de assumir como auxiliar de classe volante numa escola privada.

— Ah! Outro mundo!

Salas amplas, equipadas, modelo contemporâneo. Pátios! Sem dúvida, nova pista.

Ali, outra pedagogia era possível. Lembro-me bem de adorar observar as professoras fazendo a mediação com as crianças, eu fiquei encantada.

— Nossa! Isso eu quero guardar, quero falar também. Ah! Isso eu também tenho que falar! Que coisa mais linda!

Mantive minha atuação nesses dois mundos, escola privada e pública. Embora na privada eu tenha conseguido interagir mais com as teorias nas práticas, na pública teci minha referência de educação redentora. Tudo em meio a situações de vulnerabilidades extremas, testemunhando as coisas mais horríveis que já vi na minha vida.

Eu, com a casca grossa, passei a acreditar que lidava muito bem com todas essas adversidades, que nada me afetava negativamente.

Até ser surpreendida de novo. Havia uma família na qual sabíamos que existia algo de muito violento. As meninas falavam, pediam ajuda. Certo dia, uma delas escreveu uma carta para mim, verificando se poderia morar na minha casa. Compreendi a situação. A partir daí todas as meninas da família foram abrigadas, restando os meninos.

Eles se comportavam de forma singular. O mais velho não falava. O outro, quando chegou, ficava embaixo da mesa, parecia um bichinho assustado. Sorria pouco. O mais novo ainda não estava na escola, mas logo viria também.

Foi num final de tarde que a mãe deles levou-os a uma pracinha e foi-se embora. Passaram a ficar sob os cuidados do pai. O mais novinho, então, chegou para nós. Que diferente! Falava, pedia muito carinho, queria estar com a gente.

Como havia desconfiança de situações de abuso, eram acompanhados pelo Conselho Tutelar. Mas a gente não tinha certeza de nada, os meninos não falavam.

— Sinto uma dor aqui! — O novinho falou para a professora do AEE, apontando para os quadris.

Ela, cancheira, já se ligou:

— O que aconteceu? Queres contar para a profe?

— Não consigo ir ao banheiro, está muito machucado! Doendo!

Sabendo que ele não ia dizer, provocou:

— Querido, quero te dizer uma coisa: ninguém pode tocar nas tuas partes íntimas, porque isso é só da gente.

Assim que a ouviu, pareceu se iluminar, nele, algum entendimento sobre o que lhe acontecia.

— O pai fez isso comigo! Ele e meu mano… — Contou.

O irmão mais velho participava da violência batendo, caso algo fosse falado para alguém.

A professora me procurou na mesma hora. Entrei em contato com o Conselho Tutelar e fui buscá-lo para conversar.

— Querido, sabes a conselheira tutelar que te acompanha? Tudo bem se eu chamá-la e tu fores com ela?

— Sim! Conheço ela!

Explicamos o que tinha acontecido para o conselho, que nos disse:

— A gente não tem o que fazer, não há provas.

— Mas a criança está aqui, machucada!

— Pois é… mas estou aqui, sem carro do conselho para levar ao exame.

E assim tivemos que, ao final da manhã, entregar a criança para o pai. Revoltadíssimas!

Mas o conselho prometeu que iria na casa deles, tentaram nos confortar.

No outro dia, fui chamada de novo pela professora.

— Olha, ele está com o pé desse tamanho! Acho que aconteceu alguma coisa.

Chamei-o. Levantou-se e veio mancando até chegar ao corredor.

— Meu amor! O que aconteceu no teu pé?

— O pai e o mano me deram com um pau! Um pau desse tamanho…

Caminhamos bem devagar. Não sei mais o que falamos. Só me lembro de que o sol derramava seus raios sobre os nossos passos e que ele, a um passo de retornar à sala, lançou:

— Por que tu não fez nada para mim ontem?

Mundo abaixo de novo.

— Cadê aquela educadora que lidava com todas as situações e deixava tudo bem? — Tudo parecia ter valido para nada.

Passei a ter crises de ansiedade, a fazer terapia. Tentei compreender meu papel enquanto professora, a minha importância.

O menino? Foi abrigado. Seus irmãos, não.

O tempo passou e são muitas histórias. Na jornada, compreendi que carrego apenas uma pedagogia dentro de mim. Ela, essa minha pedagogia, educou-me para um único dever: o de estar cem por cento com uma criança, mesmo que por apenas cinquenta minutos de um período. Aprendi a doar-me.

A pedagogia raiz mostrou-me troncos, espinhos, galhos, folhas, flores, frutos… rendeu-me a consciência de muitas pedagogias possíveis.

E eu me rendi, por inteiro, à sua própria raiz redentora: a de poder estar, por inteiro, com cada criança.

Juliana Tonin é comunicóloga, pesquisadora, professora, escritora e doutora em Comunicação com pós-doutorado em Sociologia da Infância.