Responder a este vocativo tem se tornado algo de uma “banalidade” complexa.
— Ah! Relaxa! Le-ve-za! Todo mundo fala! Qual é o problema?
Concordo! É preciso que o dia a dia flua com espontaneidade. Porém, o que a lógica do “deixa disso” neste emprego de palavras quer significar? Ou esconder? Que sou/somos 30, 40, 50, 60, 70+?
Embora alguns intelectuais tais como Michel Maffesoli e Lucien Sfez – que exploram comunicação e experiências socioculturais -, estejam convictos de que vivemos um zeitgeist no qual se quer dar marcha à ré no envelhecimento, o fenômeno “Oi, meninas!” faz pensar mais. A busca pela “eterna criança”, pela “juventude eterna”, parece também horizontalizar as relações dos adultos com as crianças de forma que, muitas vezes, diverte e espanta.
Além de ter 40+, o que me confere grau de mulher, adulta, mãe de dois filhos, dentre os quais um é uma menina 10+, complica as coisas. Foi divertido o dia em que um simples happy hour “das meninas”, destinado a todas as mães da turma dela, mulheres, quase foi confundido com “happy hour das meninas”, as filhas dessas mulheres… Um nó! E foi estranho quando minha filha e eu ouvimos juntas, ao sair de uma loja de roupas, um sonoro:
— Obrigada, meninas!
Senti um embaraço que me impediu de agradecer o agradecimento. Respondi baixinho:
— Tchau.
No livro “Comunicação com crianças: princípios de uma comunicologia doltoniana”, lançado em 2024 pela Editora AGE de Porto Alegre, dentre as tantas pesquisas e investigações que suscitou, uma das mais impactantes foi a revelação de que estamos carentes, de fato, de adultos.
— Por que carentes?
Diversos autores e profissionais de referência, sejam eles do campo da Comunicação, da Filosofia, da Sociologia, da Educação, da Saúde, apresentam argumentos convergentes e consistentes no sentido de orientar reflexões e esforços para o estabelecimento do que, no livro, foi chamado de uma “nova imagem do adulto”.
Estudar temas como comunicação e infância a partir da perspectiva da História Social, da Sociologia da Infância, acaba magnetizando os olhares para as questões do surgimento ou desaparecimento da infância, seja em relação ao termo ou à sua consideração enquanto categoria social. Mas… e os adultos? Estaria o “Oi, meninas!” a serviço de um “desaparecimento do adulto”? Ademais, a palavra “mulher”, tão bonita, deveria mesmo ser ocultada? Por quê?
Vivemos uma época que testemunha situações de calamidade cada vez mais impactantes. São ao adultos os responsáveis pela mobilização de novas escolhas e ações preventivas e protetivas. Sem que isso queira dizer, por outro lado, que não é assunto de criança. É assunto de todos, responsabilidade de todos, cada um com a sua e no seu estágio de vida. Numa sociedade em que se cumprimenta mulheres com “Oi meninas!”, a noção de papéis e de responsabilidades parece ficar embaçada.
— Mas quanta implicância! É do uso coloquial!
Pode até ser. Paulo Flávio Ledur, professor, revisor e autor de diversos livros que ensinam a tentar “domar” a língua portuguesa, é direto ao ponderar que as palavras ganham sentidos nos contextos de uso. O que não permite dizer que tudo seria positivo ou recomendado.
Felizmente, muitas mudanças nas palavras e formas de falar já transformaram vidas, ajudaram a curar dores e seguem transformando mentes, corações e contextos em nome da inclusão, diversidade e combate ao preconceito racial.
Se é verdade que uma imagem vale mais do que mil palavras, talvez também seja verdade que uma palavra pode esconder mais de mil imagens. Vejamos.
–
Juliana Tonin é comunicóloga, pesquisadora, professora, escritora e doutora em Comunicação com pós-doutorado em Sociologia da Infância.