NOVA ARTICULISTA: Gabriela Paiva - O mito da pluralidade nos modelos de negócios.

Encarei a página em branco que se encontrava à minha frente e tentei colocar a imparcialidade aprendida nas aulas de jornalismo em conta. Não deu. Meu último episódio envolvendo uma empresa do setor alimentício que se vende como sustentável e plural me fez repensar o quão verdadeiro é o discurso da pluralidade – muito bem vendido ultimamente. O novo normal é plural – fato que só corrobora que o então normal não era plural, touché.

Passei por três entrevistas e nas três deixei clara a minha origem, o meu endereço humilde, mas que não deixava de ser o meu endereço. Devido às complicações da Covid-19, só fui no escritório da empresa após algumas semanas de ter começado e o desastre estava em dois colaboradores. Enquanto organizava alguns kits para serem entregues escutei piadinhas classistas pejorativas. Engoli calada e terminei os kits para serem entregues. Terminei meu trabalho e pedi para sair. No dia seguinte, logo pelo manhã, falei com a minha supervisora acerca das gracinhas classistas e que não me senti bem. Ao invés de escutar um pedido de desculpa da representante da empresa, escutei um: ‘você é fraca… a vida vai engolir você’. Naquele momento, a empresa que vendia um modo de vida good vibes, green, caiu por terra. Tudo se resumia ao lucro – fato evidenciado pela diretoria em uma reunião. Tá, e o lucro? Pouco me importa se você foi ofendida por nossos colaboradores.

Catei certa coragem e relatei o fato no LinkedIn, colocando o nome da empresa. Recebi inúmeras mensagens de carinho e a grande maioria enfatizando o quanto era corajosa – uma colega disse que tinha medo de se queimar no mercado. Disse para ela que se alguma empresa não a aceitar por ela expor algo errado, provavelmente ela estará na empresa errada, e não o contrário. Aos estagiários que passam por situações semelhantes: não se calem. Vocês são novos demais para se acomodarem com o errado. E às empresas: entreguem aquilo que vendem, é o mínimo e a sociedade como um todo agradece.

E há quem diga que a pandemia deixou o mundo melhor…

Gabriela Paiva é publicitária formada pela PUC-Rio, moradora da Rocinha e defensora da democracia e do pão de alho no churrasco. Além da publicidade, possui como paixões a literatura e o cinema.