NOVA ARTICULISTA: Raquel Micas - Cultura como Negócio na Economia.

Nesse artigo vou discutir algumas razões pelas quais a política cultural precisa ser considerada como um dos pilares de um novo modelo de desenvolvimento econômico. Só para ilustrar, política cultural pode ser entendida como um conjunto de iniciativas e medidas de apoio institucional sistemático desenvolvido pela administração pública.

Meu objetivo é elevar a discussão sobre tema “Cultura como Negócio na Economia”. E é assim que começo meu primeiro artigo aqui no Observatório da Comunicação Institucional.

Em primeiro lugar, acredito que é através da economia que a cultura tem a maior vantagem para buscar alternativas para os desafios que são latentes no Brasil. Desafios que envolvem desde a estabilidade financeira, passando pela segurança alimentar e as mudanças climáticas.

A palavra economia foi criada pelo filósofo Xenofonte na Grécia Antiga. Entretanto, ela não pode ser mais relevante nos dias de hoje. A raiz da palavra economia é a combinação de “oikos”, que significa “lar, casa, meio ambiente”, com “nomos”, que significa regras ou normas.

De antemão sabemos que o povo brasileiro tem a criatividade no seu DNA. E ela se manifesta através da música, da literatura, da dramaturgia, da dança, do cinema e em todas as formas em que a cultura se apresenta.

Ao mesmo tempo, a criatividade é uma matéria-prima abundante. Ela está presente em todas as regiões desse país continental que consideramos nossa casa. No Brasil, as regiões já estão divididas com base em critérios naturais, sociais, culturais e econômicos. E cada região tem a sua potencialidade criativa.

No artigo “Cultura e economia criativa no Brasil: oportunidades e barreiras na contemporaneidade”, o engenheiro de produção Dayvid Souza Santos escreve: “As indústrias criativas, em especial aquela que se vale do empreendedorismo cultural, possuem, no Brasil, insumos de qualidade inconteste, provenientes, abundantemente, de comunidades mantidas, à margem, por posturas segregativas”.

Ao passo que a cultura, por sua vez, é intensiva em mão de obra e em capital intelectual, as pessoas são a chave da cultura como um negócio. Muitos postos de trabalho estão sendo substituídos por máquinas. Mas não há como substituir pessoas por máquinas no Setor Cultural. Assim como também ainda não dá para importar mão de obra da China e contratá-la para cantar e sambar em um musical.


A economia das pequenas e médias empresas

Segundo a economista do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Jaciara Zacharias da Silva, em se artigo “Economia da cultura micro, pequenas e médias empresas culturais”, “o Setor Cultural é muito abrangente e abarca um conjunto heterogêneo e diversificado de atividades que vai do artesanato rústico ao que há de mais moderno e inovador”.

Além disso, “são estas ocupações que promovem a dinâmica econômica e proporcionam a milhares de pessoas mais do que emprego e renda, viabilizam também lazer e entretenimento, arte e conhecimento no Brasil”, continua a economista Da Silva em um outro trecho do artigo.

Quanta responsabilidade para um setor que é formado por micro, pequenas e médias empresas. Estabelecimentos que empregam, no máximo, até 499 pessoas e geram 30% do PIB do Brasil. O PIB (Produto Interno Bruto) representa a soma de todos os bens e serviços produzidos por um país. Ele é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia com o objetivo de quantificar a atividade econômica.

Os pequenos negócios são responsáveis por mais da metade dos empregos formais no país. E estão concentrados principalmente nas atividades de comércio e de serviço, de acordo com um estudo publicado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Para o presidente do Sebrae, Carlos Melles, o estudo confirma o peso que os pequenos negócios, onde o Setor Cultural está incluído, têm na economia brasileira. Os pequenos negócios funcionam como um amortecedor, especialmente em momentos como o que o país vive agora.

“De 2006 a 2019, as micro e pequenas empresas apresentaram um resultado positivo no saldo de geração de empregos formais, sendo responsáveis pela criação de cerca de 13,5 milhões de vagas de trabalho. Como operam com poucos funcionários, elas são menos propensas a demitir, em momentos de crise, contribuindo para reduzir os impactos sobre a economia”, comenta Melles.

Além disso, “os dados demonstram a importância de incentivar e qualificar os empreendimentos de menor porte, inclusive os microempreendedores individuais. Isoladamente, uma empresa representa pouco. Mas juntas, elas são decisivas para a economia”, considera o ex-presidente do Sebrae, Luiz Eduardo Pereira Barretto Filho.

Barreto Filho lembra ainda que os pequenos negócios também empregam 52% da mão de obra formal no País e respondem por 40% da massa salarial brasileira.

E se esses dados, que analisam a economia em um sentido amplo, lidando com fatores que afetam a economia nacional como um todo, são frios e distantes da realidade da Cultura como negócio. O que dizer do estudo divulgado em 2018 sobre a Festa Literária de Paraty (RJ)?


A economia na cadeia produtiva da Cultura

Em 2018, a FGV divulgou um estudo que diz que, a cada real investido na Festa Literária de Paraty, R$ 13,42 retornam para a sociedade e R$ 1,56 para o governo como imposto. A edição analisada do evento (2018) teve investimento público de R$ 3 milhões de reais, via lei de incentivo e R$ 500 mil reais de outras fontes. O resultado foi um impacto econômico de R$ 47 milhões de reais.

Contudo, a conta é bem simples de ser explicada. A cada R$ 1 investido na Flip 2018 resultou em R$ 13,42 reais para a sociedade. Esse dinheiro foi movimentado com hotéis, transporte, gastos em bares e restaurantes, compra de livros. E R$ 1,56 para o governo, na forma de impostos.

Seja como for, a festa literária ainda cria demanda indireta, para os fornecedores de hotéis, restaurantes, bares e companhias de transporte. É o que a FGV chama de efeito cascata. O Setor Cultural, por ser muito vinculado às áreas de comércio e serviços, gera um impacto grande e rápido na economia.

O êxito em colocar a Cultura como um pilar de uma nova política de desenvolvimento econômico está em tentar fazer diferente usando os recursos que temos disponíveis. Como disse certa vez Buckminster Fulller, o genial visionário do século XX: “Você nunca muda as coisas combatendo a realidade existente. Para mudar algo, construa um modelo novo que torne o modelo existente obsoleto.”

“A cultura, a criatividade e o conhecimento podem ser matérias-primas da economia criativa e os únicos recursos que não se esgotam: quanto mais utilizadas, mais se multiplica e renova”, segundo Ana Carla Fonseca Reis, pesquisadora que escreveu o livro “Economia criativa como estratégia de desenvolvimento”, pelo Itaú Cultural.

Vamos nos restringir aos fundamentos

“É a economia, idiota!”. A palavra idiota foi incluída como um lembrete para não perderem o foco do que era importante. O ano era 1992. E a frase foi uma das três escritas pelo principal conselheiro político, James Carville, no quadro branco do QG da campanha presidencial de Bill Clinton contra George W. Bush.

Um dia, em sua luta para manter o foco, Carville escreveu a frase icônica para ser lida por todas as pessoas envolvidas na campanha. A mensagem se tornou a essência da campanha de Bill Clinton. Anos depois, Carville explicou: “Era simples e sutil. Eu estava tentando dizer: ‘Não sejamos tão astutos aqui. É sempre bom lembrar que não somos os mais inteligentes. Vamos nos restringir aos fundamentos’.”.

Segundo a economista Kate Raworth, autora do livro “Economia Donut – uma alternativa ao crescimento a qualquer curso”, pela editora Zahar, “a economia é a língua-mãe da política pública, a linguagem da vida pública e a mentalidade que molda a sociedade”.

Em suma, para que o Setor Cultural seja reconhecido verdadeiramente como política pública, precisamos vinculá-lo às vantagens econômicas. Ao passo que, a cultura precisa ser reconhecida, certificada e admitida como um bom negócio sob determinados parâmetros econômicos.

E desde a gestão do músico Gilberto Gil no Ministério da Cultura, de 2003 a 2008, tem-se conhecimento da tridimensionalidade da Cultura. No início dos anos 2000, o setor Cultural passou a ser reconhecido através das dimensões econômica, cidadã e simbólica. A proporção econômica, indiscutivelmente, influencia as outras duas.

A dimensão econômica dá destaque ao papel da cultura para o (1) desenvolvimento socioeconômico, (2) a geração de riqueza, emprego e renda, (3) a sustentabilidade dos processos culturais, a redução das desigualdades regionais e a inclusão produtiva.

A cultura é o que nos diferencia enquanto povos. E ela também hoje é responsável pelo desenvolvimento de um novo modelo de negócio, capaz de produzir e distribuir riqueza. Para saber mais sobre o quanto que se produz de riqueza vem da área cultural, clique aqui.

Por último, termino com mais uma citação da economista Kate Raworth: “A ferramenta mais poderosa em economia não é o dinheiro, nem mesmo a álgebra. É o lápis. Porque com um lápis pode-se redesenhar o mundo”.

Raquel Micas é jornalista, gestora cultural, parecerista e especialista em Marketing Digital. Auxilia governos, empresas e instituições a potencializar o resultado de ações de patrocínio cultural, fortalecendo a marca e iniciativas de fomento à produção artística. Agrega o conhecimento de políticas públicas culturais às mídias sociais para desenvolver projetos de Comunicação e Cultura.