NOVA ARTICULISTA: Neire castilho - Não basta ser bom: como entender o que os melhores publicitários dominam.

ATENÇÃO: Contém spoiler!

Logo que eu comecei a escrever sobre branding e comunicação publicitária, meu desejo era explicar, de forma simples, como uma marca poderia gerar negócios através de esforços de comunicação, mas não encontrava como. Para algumas pessoas, tudo isso é muito complexo, e falar de forma técnica, não causaria efeito algum. Então, quando assisti ao filme ganhador do Oscar 2020, cheio de metáforas e níveis de mensagem, veio a iluminação: vou associar a cena em que o Sr. Kim entrega ao seu patrão, Sr. Park, o cartão de uma suposta agência de ‘cuidadores’, a CARE, ao conceito de ‘conforto cognitivo’ descrito por Daniel Kahneman (2011).

Imagem: cena do filme ‘Parasita’, de Bong Joon-ho.

Quem viu o filme se lembra que Jéssica, filha do Sr. Kim, é ‘fera’ em Photoshop. Ela criou o nome, a marca e o cartão de visitas da empresa a fim de ‘plantar’ a mãe na casa dos Park. ‘Pelo design, devem ser bons’, comenta o patrão quando recebe o cartão.

É possível perceber que Jéssica, e toda a família dela, sabem como utilizar, muito bem, um recurso que bons publicitários empregam há muito tempo.

De fato, o papel simbólico de uma marca é um tema complexo, seus efeitos atraem a atenção de antropólogos, psicólogos e publicitários justamente pela capacidade que uma marca tem de influenciar o comportamento humano.

Daniel Kahneman descreve, de forma muito simples, a facilidade cognitiva com que o cérebro processa uma frase impressa numa tipologia legível, ou que foi repetida, ou que foi evocada. Esse tipo de trabalho pode ser realizado, com segurança, por profissionais técnicos e principalmente éticos, uma vez que, como no filme, o conforto cognitivo pode ser usado para fins injustificáveis. O livro ‘Rápido e Devagar: duas formas de pensar’, do Prêmio Nobel de Economia, Daniel Kahneman, dedica algumas páginas ao assunto. Tirei alguns trechos do estudo, relacionados ao trabalho de comunicação publicitária, para explicar como design e conceito podem ser poderosamente utilizados para gerar familiaridade. No final, traço uma breve conclusão da analogia com a cena do filme, ‘Parasita’, do cineasta Bong Joon-ho.

Como o conforto cognitivo opera em favor da mensagem:

‘O princípio geral é de que qualquer coisa que você possa fazer para reduzir a tensão cognitiva vai ajudar, de modo que a primeira coisa é maximizar a legibilidade’ (Kahneman, pag. 83).

‘Se deseja ser aceito como digno de crédito e inteligente, não use linguagem complicada onde uma linguagem simples daria conta do recado’ (Kahneman, p. 83).

‘Receptores da sua mensagem querem ficar longe de qualquer coisa que os lembrem do esforço, incluindo uma fonte e um nome complicado’ (Kahneman, p. 84).

‘A palavra ilusão traz à mente ilusões visuais, porque estamos todos familiarizados com imagens que enganam. Mas a visão não é o único domínio das ilusões; a memória também é suscetível a elas, assim como o pensamento, de um modo mais geral’ (Kahneman, p. 79).

‘Quando você se encontra em um estado de conforto cognitivo, provavelmente está de bom humor, gosta do que vê, acredita no que ouve, confia em suas intuições e sente que a presente situação é confortavelmente familiar’ (Kahneman, p. 79).

O Sr. Park se pautou no conforto cognitivo para acreditar que a empresa CARE era verdadeira. O design da marca e o nome descomplicado lhe pareciam familiares, dando uma aparência de verdade. Todos esses recursos são utilizados na propaganda, porém, um bom desafio precisa receber um diagnóstico preciso. Partir direto para o uso da ferramenta publicitária antes de traçar um tratamento, é como cair no bisturi antes de saber o que se tem para operar. Publicidade é uma ferramenta, para o branding, assim como um estetoscópio, um termômetro ou um bisturi, são para o médico. Ela está em função de um diagnóstico, de um tratamento previamente definido. Promover uma marca cujo símbolo é complicado, a mensagem não é clara, o posicionamento é turvo, causa tensão cognitiva, ou seja, a probabilidade de rejeição à resposta intuitiva é grande.

Kahneman (p. 84), destaca ainda, que ‘um papel de alta qualidade, cores brilhantes, rimas e linguagem simples não serão de grande ajuda se a sua mensagem obviamente não fizer sentido, ou se ela contradiz fatos que seu público sabe serem verdadeiros’.

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Neire Castilho é empreendedora, estrategista de marca e professora. Movida por influenciar pessoas, criar cultura e influenciar comportamento, a publicitária trabalha por um mundo onde o suficiente seja abundante para todos. Pesquisa e identifica o verdadeiro propósito das empresas e transforma esse valor em comunicação para a marca.