Nova articulista: Memória institucional, pra que? Por Carolina Kuk.

Quando me perguntam sobre o meu trabalho, a primeira resposta sempre vem acompanhada de uma breve explicação. Pouca gente entende exatamente do que eu estou falando quando uso os termos Memória Institucional, Memória Empresarial, Memória Organizacional ou ainda Memória Corporativa.

E o que é afinal de contas Memória Institucional?

Memória Institucional é um conceito atribuído a um conjunto de atividades que visam zelar pela história das instituições. Fazemos isso através da preservação, da pesquisa e do uso da documentação histórica gerada pela instituição em questão. E quando tratamos de documento histórico não estamos falando de um pergaminho amarelado do século III A.C. (imagem que vem à mente da maioria das pessoas quando usamos este termo). Documento histórico é tudo que ajuda a contar a história proposta: um folheto institucional, uma fotografia de fábrica, um jingle de rádio, um anúncio em revista, um comercial de televisão, um brinde distribuído aos consumidores, um quadro, uma notícia de jornal, um meme, uma apresentação de Power Point

Uma camisa de futebol de 1970, por exemplo, é dos documentos histórico guardado no acervo do Sport Club Corinthians Paulista. Bonecos do Mickey e da Minnie de 1930 estão muito bem acondicionados na reserva técnica do Walt Disney Historical Archives.

Garrafas de vidro de todas as épocas compõem grande parte do acervo histórico da Coca-Cola.

Provas de Matemática são documentos históricos do Colégio Dante Alighieri. Nariz de palhaço, baralho mágico e até um rabo de elefante do domador fazem parte do acervo do Centro de Memória do Circo.

E pra que se faz isso?

São 4 pra quês:

1) Para reforçar identidade e reputação das instituições e suas marcas;

2) Para servir de ferramenta de gestão de negócios;

3) Para fortalecer os vínculos e o relacionamento com diferentes stakeholders; e

4) Para atuar pela responsabilidade histórica e social.

Tratando do primeiro ponto, nada mais legítimo do que a história para reforçar identidade e reputação das instituições. Quando temos acesso, conhecemos e acionamos a documentação histórica podemos nos colocar como pioneiros na eliminação de testes em animais na indústria cosmética, por exemplo. Podemos divulgar para o nosso público que atuamos há 50 anos na área da educação, formando profissionais de renome, tais como fulano, beltrano e ciclano, que dão seu depoimento sobre a formação que tiveram em nossa faculdade. Podemos revisitar o passado, entender as mudanças de rumo do percurso e avaliar o que deveria ser resgatado para que a instituição não perca sua essência. Ao lançar um novo produto ou um novo serviço, revisitar a trajetória ajuda a elucidar e destacar a inovação sem perder a conexão com a tradição.

O segundo pra quê, quando usamos a Memória como ferramenta de gestão de negócios, estamos tratando de atendimento às demais áreas da instituição. Os projetos de Memória podem servir de hub de conteúdo para a Comunicação, por exemplo, fornecendo imagens e informações para revistas, posts, discursos, press releases. Um dossiê com o resgate de toda a documentação histórica serve de prova jurídica nos processos de caducidade de marca. Acionar a dinâmica de promoções e ações internas passadas pode trazer renovação estratégica ou relançamentos. O Marketing pode utilizar pontos de memória afetiva dos consumidores e clientes com o seus produtos ou serviços para dar start a campanhas novas.

O terceiro pra quê trata do fortalecimento de vínculos com stakeholders da instituição. Trabalhos de memória oral – quando colaboradores e parceiros são convidados a darem seus depoimentos acerca de parte da história da instituição – costumam repercutir muito positivamente no engajamento destas pessoas com seus trabalhos, já que isso significa reconhecimento e pertencimento e também cuidado com a história não apenas da instituição, como também do próprio depoente. Usar Memória Institucional no programa de integração de novos colaboradores também costuma ser um recurso interessante para fortalecer vínculos porque imerge a pessoa no legado daquela instituição específica e do segmento em que ela vai atuar a partir daquele momento. A motivação vem da compreensão do todo ao qual o trabalho dela é apenas uma parte. O RH também pode se utilizar de imagens e informações históricas para divulgação de vagas e atrair novos talentos identificados com a essência da instituição e interessados na reputação consolidada ao longo dos anos. Outra maneira de fortalecer vínculos é transformar o espaço de Memória em um espaço especial. Em instituições esportivas, é onde os atletas recebem as premiações, em instituições bancárias é onde os clientes VIPs se reúnem, muitas vezes eventos com influenciadores e jornalistas acontecem nestes espaços e, em alguns casos, a instituição transforma o espaço de memória em um ponto turístico, um museu ou algo assim.

O último ponto, e não menos importante, é o da responsabilidade histórica e social. Quando guardamos e damos a ver a documentação histórica institucional, não estamos apenas zelando pela história da instituição e seus produtos e serviços. Estamos zelando também pela história da sociedade na qual ela está inserida: a história de seu segmento de atuação (da Educação, do esporte, da indústria alimentícia, do Direito, do terceiro setor), a história da publicidade, a história das cidades e/ou países onde ela atua, a história da tecnologia. Um rótulo ou anúncio de produto alimentício nos dá indícios dos ingredientes consumidos em cada período, dos valores sobre padrão estético do corpo ideal para uma época, da ortografia de uma língua naquele período, dos preços, da moda, dos costumes. Serve a profissionais das áreas correlatas a da instituição, a pesquisadores acadêmicos e a projetos de responsabilidade social.

Memória Institucional não é um museu de velharias, um bibelô de vovó. É uma ferramenta estratégica importante que pode dinamizar todas as áreas da instituição. Basta zelar por ela e usá-la.

Carolina Kuk é historiadora formada pela FFLCH-USP, pós-graduada em Sócio-Psicologia pela Faculdade Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e especialista em Memória Institucional com atuação há 13 anos na área. Desenvolve projetos de organização e extroversão de acervos históricos, pesquisas sócio-históricas para projetos culturais, agências de publicidade e de pesquisa de mercado, ministra palestras e dá cursos sobre Memória Institucional.