NOVA ARTICULISTA: Marcela Ferreira - 5 reflexões sobre o futuro do mercado cultural após a crise da Covid-19.

Desde o início do ano não se fala em outra coisa: coronavírus. Os primeiros registros foram feitos na China e, agora, já enfrentamos uma pandemia global. Para tentar conter a rápida propagação desse agente transmissor, uma das medidas mais eficazes – e que vem sendo adotada mundialmente –, é o distanciamento social, que limita a circulação de pessoas e, consequentemente, a disseminação do vírus em larga escala.

Um dos mercados que sofreu imediatamente as consequências do distanciamento social foi o mercado cultural: cancelamentos e adiamentos de shows, festivais, turnês e temporadas teatrais e de dança, fechamento de salas de cinema, casas de espetáculos, salões de festas e galerias de arte, além da suspensão temporária dos alvarás de bares e restaurantes que, muitas vezes, oferecem programação cultural associada. Tudo isso fez com que artistas, gestores, produtores, técnicos, empresários e demais profissionais da cultura se perguntassem: o que fazer a partir de agora?

As atividades culturais não estão na lista de serviços essenciais à população preparada pelo governo, porém, justamente essas práticas estão entre as mais procuradas pelas pessoas para ocupar o tempo, buscar equilíbrio e manter a saúde mental durante esse período de distanciamento social. Surge aí a necessidade de o mercado se reinventar, a fim de oferecer às pessoas a possibilidade de continuar consumindo cultura e, acima de tudo, superar essa crise que vem revolucionando as nossas dinâmicas sociais e econômicas.

Estamos diante de um novo cenário, que requer uma adaptação das práticas que vinham sendo executadas até então. Mesmo quando a possibilidade de encontros presenciais for restabelecida, dificilmente o mercado será o mesmo. Nesse sentido, trago alguns pontos de reflexão sobre o que podemos esperar – e fazer! – na nova realidade do mercado cultural pós-Covid-19.

1. Investimento em novas ferramentas para fruição cultural à distância

Se o consumo cultural on-line já vinha ganhando força, nesse novo contexto percebemos que ele veio para ficar! Uma das primeiras iniciativas após a suspensão dos eventos culturais foi a realização de lives via redes sociais. Foram organizados, em vários países, festivais de música em que os artistas tocavam de suas próprias casas, com transmissão principalmente pelos perfis no YouTube e Instagram. Além disso, artistas e organizações começaram a disponibilizar materiais gravados, como shows, concertos, espetáculos de teatro e dança e até liberação de acervos de artes visuais e visitas guiadas a museus de maneira virtual. Porém, os agentes culturais precisam se familiarizar com as inovações tecnológicas que vêm sendo disponibilizadas. Já foi possível notar que o Instagram, por exemplo, não consegue suportar um grande volume de conteúdo sendo gerado e distribuído simultaneamente, visto que já foram relatadas situações em que a rede social momentaneamente parou devido ao alto tráfego de dados. Novas plataformas de streaming e distribuição on-line devem ser exploradas pelos artistas e produtores para superar as limitações existentes nas redes sociais e, assim, serem capazes de promover eventos e experiências culturais remotas de maneira mais qualificada.

2. Adoção de novos modelos econômicos no mercado cultural

Falamos sobre a enxurrada de lives e os demais produtos culturais que começaram a ser distribuídos on-line, mas um detalhe importante é que a grande maioria desses conteúdos é disponibilizada gratuitamente. Sem as receitas de bilheteria e os recursos advindos de leis de incentivo e patrocínio aos eventos, as contas não fecham. Os serviços de streaming musical, por exemplo, continuam sendo muito acessados, mas o retorno financeiro dessa modalidade de arrecadação não é nem de longe suficiente para cobrir os custos dessa cadeia produtiva. É fato que a necessidade de consumo cultural pelas pessoas continua existindo, mas a partir de agora será preciso criar novas formas de resolvê-la, entregando uma boa experiência ao público e, ao mesmo tempo, monetizando as atividades oferecidas em plataformas digitais. Nessa nova realidade, será necessário cobrar por conteúdos antes gratuitos e firmar novos modelos de parceria com as marcas patrocinadoras, usando a criatividade para gerar novas fontes de receita a partir dos produtos culturais em si, como também da produção de conteúdos associados de interesse do público.

3. Humanização das relações entre artista e público (ainda mais!)

Com o uso das redes sociais, não é de hoje que a comunicação entre os artistas e seus fãs vinha seguindo um modelo mais humanizado. Porém, o cancelamento dos eventos e o fechamento dos espaços culturais aumentaram ainda mais a necessidade de uma comunicação com menos barreiras. Nesse contexto, os artistas ficaram mais acessíveis, dialogando diretamente com o público e com mais tempo disponível para investir nessa relação. A partir desse cenário, é de se imaginar que, passada a crise, o público não vá querer ‘dar um passo atrás’ no relacionamento. O modelo de comunicação precisará seguir cada vez mais humanizado, com artistas e organizações investindo em conteúdos relevantes à realidade do público e mantendo o diálogo estabelecido durante o período de distanciamento social. As marcas, inclusive, também precisarão investir em ações de ativação cada vez mais engajadoras e que proporcionem conexões reais com seus públicos por meio dos produtos culturais que patrocinam.

4. Consolidação do conhecimento sobre o público

Já que a relação com o público será de muita proximidade, para que a comunicação se estabeleça de maneira natural e duradoura será necessário um profundo conhecimento sobre quem são essas pessoas e o que elas querem nessa nova realidade. Para nortear esse processo, podem ser respondidas algumas perguntas que auxiliam a definir uma estratégia de distribuição de conteúdo:

– Quais ferramentas on-line o meu público mais utiliza?

– Quais são os dias e horários em que ele está mais disponível para a atividade que eu entrego?

– Quais conteúdos similares ao meu o público mais consome?

– Quanto está disposto a pagar por esses novos tipos ou modelos de conteúdo?

– Como está sendo o nível de receptividade do meu público a essas novas ações?

Para descobrir essas respostas será necessário realizar pesquisas, diretas ou indiretas. As informações obtidas permitirão a elaboração de um planejamento mais eficaz, evitando possíveis ruídos de comunicação, driblando uma concorrência por vezes desnecessária (devido ao grande número de ações acontecendo de forma simultânea) e adequando as estratégias e conteúdos às reais demandas do público.

5. Criação de movimentos organizados do setor cultural

Com o intuito de lutar por políticas públicas e apoio do setor privado para superar essa crise, todos os atores e instâncias que compõem o mercado cultural precisarão se organizar de maneira ainda mais estruturada, tanto em âmbito municipal, estadual e/ou federal. Os movimentos organizados conferem força e maior alcance à luta da classe dos profissionais da cultura, sendo capazes de realizar reivindicações mais expressivas e, consequentemente, proporcionar resultados mais favoráveis.

Não temos uma resposta definitiva sobre como o mercado vai realmente se comportar após toda essa crise. Porém, é importante pensar que esses movimentos organizados também podem ser úteis para que os agentes culturais tenham a possibilidade de se articular melhor nesse novo cenário, buscando otimizar recursos, compartilhar novas práticas e, acima de tudo, fortalecer o mercado.

Após todas essas reflexões, uma coisa é certa: é preciso ter calma, clareza e senso de observação aguçado para sermos capazes de montar um planejamento sólido, adequado às mudanças que surgirão no mercado cultural. Projetar futuros possíveis, com seus respectivos desdobramentos e demandas, e avaliar qual será o nosso posicionamento em cada um deles, pode ser uma estratégia para estar preparado para o mundo pós-Covid-19.

Pensou em mais algum ponto que pode contribuir para essa discussão? Deixe um comentário e vamos dialogar!

Marcela Ferreira é relações-públicas, pós-graduada em Gestão de Empreendimentos Culturais pela PUC-Minas, com experiência em produção de eventos e gestão cultural nos setores público e privado.