NOVA ARTICULISTA: Bárbara Villa - Empresas nas redes sociais: cliente ou 'miguxo'?

Talvez já tenha acontecido com você: ao entrar em contato com uma empresa por WhatsApp, você é chamado de amore. Seu banco manda mensagens com a frase: “Que bom, fulano te enviou um pix!”. Você lê no rótulo do seu shampoo frases como “Se joga nesse brilho”. Essas e outras interações são exemplos de como a comunicação corporativa e institucional adicionou muitas exclamações ao seu conteúdo. Esse estilo despojado e pessoal invadiu as mídias transversalmente, já que quase todas as formas de correspondência e interação social foram reunidas em um só aparato, cuja utilização não está restrita aos limites do público ou privado, pessoal ou profissional: o telefone celular.

Nos tornamos assim, seres híbridos. Sempre trabalhando, sempre socializando, sempre consumindo. Embora os aplicativos definam um pouco o tom ou o grau de interação entre as “partes”, um traço permanece comum a todos eles: a gradativa perda da formalidade. A prefeitura de Curitiba foi umas das primeiras no Brasil, ainda em 2013, a implementar esta estratégia a nível institucional, se tornando um modelo para várias outras prefeituras e instituições. O fator “engajamento” é um dos grandes ativos desta abordagem, já que ele garante a visibilidade e a “aderência à marca”.

Entre as críticas recebidas, há os que apontam para a perda da credibilidade. A prefeitura de São Paulo, quando questionada a respeito de não adotar a prática, afirmou que “Administração Pública não é entretenimento” e questionou se o engajamento de fato se reflete em um efetivo exercício da cidadania.

A equipe responsável pela comunicação da prefeitura de Curitiba na época da adoção do Prefs – como ficou conhecida -, argumenta que apenas de adequou aos códigos de linguagem já presentes e consolidados nas redes digitais. O objetivo, segundo eles, seria exibir uma prefeitura “mais humana”.

Mas empresas e instituições precisam ser humanas?

Relacionamento 2.0

A Prefs já existia há muito tempo quando eu primeiro me deparei com o termo, em um banner, no início de 2020. Millennial que sou, aquilo me pareceu forçado e inapropriado. O mesmo para os rótulos e coraçõezinhos nas comunicações corporativas.

O receio é que, junto a esta mudança tão drástica de abordagem os resultados esperados tragam consequências imprevistas e, talvez, indesejáveis. O que primeiro me ocorre é como a norma culta está se tornando obsoleta à medida em que todas as comunicações são agora informais.

Outro aspecto é como as novas gerações tendem a “não ter paciência” para conteúdos aprofundados e textos longos. Nos memes, o jogo instantâneo de referências múltiplas (e muitas vezes auto-referências) bloqueia qualquer chance para uma discussão que precise de mais de quatro parágrafos. Mesmo em um mundo “encolhido” pela globalização as complexidades estão aí e precisam ser elaboradas e discutidas.

Partindo da óbvia referência à máxima de Marshall McLuhan que postulou que “o meio é a mensagem”, me parece que, ao mesmo tempo em que bancos, por exemplo, deixam de se comunicar com os seus clientes através de cartas, e naturalmente adotam uma linguagem adaptadas às novas mídias, essa “flexibilização” na imagem institucional também flexibiliza os valores de credibilidade e solidez atribuídos anteriormente a este tipo de empresa.

Vejo o descrédito das instituições como uma consequência direta da utilização massiva dos novos códigos de linguagem, o que criou uma ruptura no argumento de autoridade. Hoje, autoridade está muito mais associada à capacidade de engajar as massas do que ao fato de ser um “emissor” qualificado. A desinformação bebe desta fonte.

Queremos mesmo fazer “social” com as empresas, com quem a relação que estabelecemos é puramente comercial?

As empresas querem conhecer nossos desejos para melhor vender seus produtos. A dinâmica “espontânea” da comunicação instantânea por aplicativos e redes sociais nos embala a conformarmos, entregando voluntariamente nossa intimidade para fins comerciais.

Ainda, é importante ter em mente que a “mineração de dados” é um mercado altamente lucrativo e muito pouco regulamentado. Não é paranoia imaginar que a cada “aceito” clicado em websites comerciais nos torna produtos involuntários para consumidores desconhecidos.

A desculpa oficial é aprimorar a sua experiência, fazendo ofertas cada vez mais relevantes. Isso significa marketing cada vez mais direcionado, e o interesse, nesse caso, não é o do consumidor.

É importante refletir sobre o custo social e simbólico do rompimento entre essas esferas, garantindo a cada qual os direitos e responsabilidades devidos.

Bárbara Villa é jornalista (UFF), tradutora (UGF) e pedagoga (UBC).