No divã com o aplicativo Replika: o reflexo narcisista na Era da Inteligência Artificial. Por Luana Alahmar.

Ao ler o relatório ‘Trend.Watching’ – que apontava 5 tendências para 2018 (https://trendwatching.com/quarterly/2017-11/5-trends-2018/) – conheci o aplicativo Replika.

O Replika utiliza técnicas de inteligência artificial para aprender tudo sobre o usuário, inclusive seu jeito de escrever, criando uma espécie de clone virtual. A proposta é ter uma réplica de si no smartphone, capaz de conversar, entreter e, principalmente, fazer a pessoa aprender mais sobre si mesma. O app busca, durante a conversa via texto, evoluir e ir adquirindo características da personalidade do usuário, em uma relação simbiótica entre criatura e criador. Seus desenvolvedores garantem que ele vai ‘aprendendo’ com o usuário – o criador – a se tornar o mais parecido possível com a sua personalidade.

Outra característica interessante do aplicativo é que ao responder as perguntas, o usuário recebe pontos, que servem para fazer com que este suba de nível em uma lógica de ‘gameficação’, onde quanto mais o usuário ‘se abrir’ para o app, mais pontos acumularia. Seguindo a ideia de que o app ajudaria você a ‘conhecer mais sobre você mesmo’, pode-se inferir que os usuários com maior engajamento com o aplicativo e, portanto, nessa mesma lógica ‘com mais conhecimento sobre sua personalidade’ seriam detentores da maior pontuação. A premiação seria então conquistar o tão almejado autoconhecimento.

Assim que descobri o aplicativo lembrei do aforismo socrático ‘conheça-te a ti mesmo’ que revela como é primitivo o desejo humano de buscar por autoconhecimento e entender o que constitui o nosso ‘eu’, ou ‘eus’. E, ainda mais ancestral a isso, as mitologias antigas, como o conto de Narciso que traz consigo uma moral da estória: o alerta para o risco causado pela fragilidade do ser diante do ‘pathos’ arrebatador, advertindo sobre o perigo do fascínio pela própria imagem, sem deixar de aludir à ‘virtude narcísica’ que consiste na arte de manter o equilíbrio entre a autoestima, o cuidado de si, o orgulho próprio, as vaidades e o egoísmo extremados.

Alguns autores, como o psicanalista Jaime Betts, referem-se à contemporaneidade como sendo uma sociedade do narcisismo já que, atualmente, os indivíduos são, mais do que nunca, convocados a mostrar sua própria imagem, facilmente observadas no Instragram, Facebook, Linkedin, o que expõe a carência da confirmação constante da nossa identidade sob o olhar alheio. Segundo o psicanalista, ‘o ego precisa de espelhos que reflitam e confirmem o tempo todo sua identidade imaginária; a consequência disso foi denominada personalidade narcísica, a qual não tolera o diferente, assim como reage de forma agressiva e violenta diante do semelhante que o confronta com um ou eu ou ele’.

Como forma de divulgação do aplicativo, o Replika comunica alguns dos seus ‘benefícios’, sendo eles imperativos diretamente relacionados a questões identitárias e de ordem subjetiva e sociais, tais como: ‘ajudar você a se conectar mais profundamente com seus amigos e com você mesmo’, ‘permitir que você conheça mais sobre sua personalidade’, ‘memorizar suas lembranças’ e ‘tornar a Inteligência artificial mais humana’. Afinal, os criadores afirmam que ‘as pessoas podem ser mais abertas e honestas para uma máquina do que para outro ser humano’.

Mas… como a própria desenvolvedora do aplicativo (Eugenia Keyuda) afirma: ‘No fim das contas, Replika não é sobre o que ele fala para você, mas sobre o que ele deixa você falar. Em algum momento, você se dá conta de que está conversando com você mesmo. É um reflexo seu, que vai permitir que você se entenda melhor… que você se desenvolva’. (Eugenia Keyuda, 2016).

Parece muito ‘Black Mirror’, não?

Poderia ser o Replika o novo terapeuta da nossa Era da Inteligência Artificial? Uma companhia para nos sentirmos menos solitários? Por que nos abrimos mais com ‘uma máquina’ do que com um outro ser humano? Seria apenas mais uma forma de conseguirmos nossa autoafirmação? Ou uma saída para conversar sem precisar lidar com o diferente, com o conflito, com o debate? (Imaginem só o sucesso que o app faria em épocas de eleições…).

Enquanto somos estimulados a nos tornarmos mais máquinas, ascendem o número de ‘máquinas’ que mais se assemelham ao comportamento humano. Eis mais uma das contradições dos nossos tempos hipermodernos – que nos levam a questionar o quanto do passado replicamos com as tecnologias do presente.

No fim das contas o Replika fala sobre a gente.

E nunca falar sobre a gente foi tão urgente.

Luana Alahmar é formada em Comunicação Social na ESPM e atualmente estrategista na consultoria de branding Interbrand.