Lições sobre o vazio de um ano cheio demais. Por Neire Castilho.

Do caos de 2023 à ilusão de 2024 

2023 foi um ano de rupturas: emocionais, financeiras e espirituais. Rompimentos amorosos, amizades desfeitas, crises de fé e uma carga financeira pesada devido a compromissos com a reforma da casa consumiram minha energia. Apesar disso, meu negócio prosperou, crescendo consistentemente, mas o preço foi alto: um esgotamento que parecia irreversível.

2024 chegou como uma promessa. Com a quitação de dívidas e a estabilização financeira, investi em projetos adiados: reabilitação física, psicoterapia, aulas de canto e inglês. O crescimento profissional veio com novos clientes, mas a ausência de tempo livre revelou um paradoxo: um ano “bem-sucedido” que me deixou vazia. Sócrates já alertava: “Cuidado com o vazio de uma vida cheia demais”. E, em 2024, entendi na prática o que isso significa.

Os prejuízos invisíveis de um ano hiperprodutivo

  1. A escassez da leitura

Ler menos foi um dos impactos mais graves. De cinco livros anuais, li apenas um completo em 2024. A leitura matinal, que alimentava minha criatividade estratégica, foi substituída por textos superficiais do Instagram. Para profissionais que dependem de pensamento crítico, a falta de leitura é uma ameaça à relevância. Como destacam reflexões filosóficas, o conhecimento profundo exige tempo e intencionalidade, não apenas consumo rápido.

  1. Amizades relegadas ao segundo plano

Cafés terapêuticos com amigos viraram lembranças. Um amigo que acordava às 5 horas para ler em padarias e outro que insistia em encontros aleatórios foram deixados de lado. Esses momentos, além de nutrir a alma, são oportunidades de networking e troca cultural. A ausência deles empobreceu minha perspectiva e isolou-me em uma rotina autocentrada.

  1. Estagnação intelectual

Livros técnicos intactos, estudos abandonados. Em um mundo de mudanças aceleradas, parar de estudar é um risco estratégico. Contei com revistas online, mas conteúdos rasos não substituem a profundidade. Aristóteles defendia que a eudaimonia (felicidade plena) surge do equilíbrio entre ação e reflexão – algo impossível sem estudo contínuo.

  1. A ilusão do calendário cheio

Ostentar compromissos no Instagram virou um vício. A cultura da “produtividade tóxica” celebra a ocupação excessiva como sinônimo de sucesso, mas, como apontam críticas contemporâneas, isso esconde um vazio existencial. A pressa rouba a capacidade de pensar estrategicamente, reduzindo tudo a tarefas mecânicas.

  1. Planejamento sem alma

Usei templates alheios para planejar meu negócio, ignorando minha própria experiência. O resultado? Planos engavetados no Notion. A falta de tempo para reflexão criativa me fez perder a visão de futuro. Winnicott, em estudos sobre resiliência, lembra que a autenticidade nasce da conexão com nossas experiências, não de fórmulas prontas.

  1. Caos organizacional

Senhas aleatórias, e-mails desorganizados, conteúdo não curado. Abandonei meu método de organização (“resolver, delegar, arquivar, descartar”) e mergulhei no caos. A pressa, como dizem especialistas em produtividade, é inimiga do planejamento eficaz. Sem ordem, perdi não só tempo, mas também clareza sobre meus objetivos.

Do vazio à reinvenção

2024 me ensinou que produtividade não se mede por tarefas cumpridas, mas por presença e propósito. O “vazio” de um ano cheio demais é um alerta: quando priorizamos quantidade sobre qualidade, perdemos conexão conosco e com o mundo.

Aristóteles via a felicidade como resultado da eupraxia – ações virtuosas guiadas por um “fim último”. Em 2024, meu “fim último” foi obscurecido pela ânsia de resolver tudo. Agora, entendo que equilíbrio exige:

Tempo para o ócio criativo, onde ideias nascem sem pressão;

Cultivo de relações autênticas, que alimentam a alma;

Organização como ato de autocuidado, não de controle.

Este ano não será sobre encher a agenda, mas sobre escolher o que merece entrar nela. Como dizem os estoicos, a felicidade está no que controlamos: nossas escolhas, não nossas circunstâncias. E eu escolho menos ocupação e mais significado.

O copo vazio está cheio de ar – e de possibilidades.

Neire Castilho é publicitária e especialista em Marketing, com mais de 8 mil alunos formados em cursos de ensino superior e pós-graduação. Mestre em Educação, atua como consultora de tecnologia e inovação em branding, credenciada pelo Sebraetec. Além disso, é fundadora da Orientte Estratégias Comunicacionais, onde ajuda marcas a se destacarem e criarem conexões significativas com seu público.