Já mentiu por educação hoje?

Respondendo a pergunta, não. Mentir por educação é um comportamento bastante comum, principalmente quando tratamos de comunicação interna. É um aspecto cultural de nós brasileiros, que, normalmente, somos muito cordiais e não aceitamos muito bem pessoas objetivas, que são tratadas como grossas, ou mal educadas.

A associação entre objetividade e falta de educação é quase automática, mas não necessariamente elas são a mesma coisa. Antes de tudo, é preciso dissociá-las, e isso é uma tarefa complexa, pois o ser humano não desenvolveu uma racionalidade dissociativa. Nós aprendemos muito mais a associar do que fazer o caminho inverso. Eis a dificuldade em fazer essa separação.

Uma característica, real, da grosseria é faltar com respeito, destratar, inferiorizar ou, basicamente, agir com estupidez. São poucas as vezes que alguém, de fato, se comporta dessa forma.

O comportamento tido como grosseiro pode ser o reflexo de uma cultura organizacional com falhas, pois ele é reativo, e essa reação deve-se a uma característica de tirania nas relações pessoais e profissionais. Etienne de la Boétie, em seu ‘Discurso sobre a servidão voluntária’, traz um item curioso sobre esse comportamento:

‘Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se poderão limitar a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos. Não basta que lhe obedeçam, têm de lhe fazer todas as vontades, têm de se matar de trabalhar nos negócios dele, de ter os gostos que ele tem, de renunciar à sua própria pessoa e de se despojar do que a natureza lhes deu. Têm de se acautelar com o que dizem, com as mínimas palavras, os mínimos gestos, com o modo como olham; não têm olhos, nem pés, nem mãos, têm de consagrar tudo ao trabalho de espiar a vontade e descobrir os pensamentos do tirano’ (2004, p. 26).

Em grande parte dos casos de grosseria, ele é um sinal de que algo na comunicação não vai bem. Pode ser uma capacidade do interlocutor em se relacionar? Com certeza. Mas nós somos seres sociais, isso é uma habilidade inata, e a variação de comportamento é algo saudável e ninguém precisa ser meigo e doce constantemente, caso seja, será tratado como falso.

São poucas as empresas que trabalham esse aspecto dentro de suas comunicações. Se elas o fizessem, muitos ruídos seriam evitados, aumentando a produtividade e a qualidade das relações. E isso é vital para qualquer organização.

A falta de orientação sobre fluxos, formatos, resultados e, principalmente, clareza e honestidade, resultam em um mar de conflitos, que, muitas vezes, poderiam ser resolvidos, ou nem iniciados, se houvesse um diálogo, porque é nele que as trocas são feitas, ocasionando uma identificação e, consequentemente, uma boa relação.

A repulsa ao comportamento objetivo é fruto da nossa incapacidade de aceitar que somos tiranos e que não queremos perder o poder que a tirania nos traz. Porque aprendemos, desde muito cedo, que ‘alguém com medo é alguém que aceita a autoridade’ (KARNAL, Leandro e COEN, Monja. O inferno somos nós: do ódio a cultura de paz, 2018, p.14).

Construir relações na base do medo é garantir que, muito rapidamente, ela entre em ruínas. Porque a tirania é um comportamento tóxico, que, lentamente, envenena todo o ambiente.

O final de tudo isso é que mentimos por educação. Não apontando onde estão as falhas, deixando passar atitudes que são inaceitáveis, construindo relações frágeis etc. Quando uma pessoa quebra esse ciclo, é tratada como grosseiro. Mas é o antídoto do veneno nosso de cada dia.

E aí, já mentiu por educação hoje?

Gustavo Costa é relações-públicas e desenvolve trabalhos de comunicação com empresas em São Paulo. Em 2018 ganhou o Prêmio Universitário Aberje com planejamento estratégico para a Sabesp, além de produção científica sobre Ética, Reputação e Posicionamento no Supremo Tribunal Federal sobre a ótica das Relações Públicas, publicada pela Revista Anagrama da USP. http://www.revistas.usp.br/anagrama/article/view/156816