Formação docente e a quarta revolução educacional. Por Aline Carneiro Silverol.

Série: ‘Professor 4.0’. Texto 1.

Você, com certeza, já ouviu falar nesta expressão: ‘alguma coisa 4.0’, sendo a mais popular a ‘indústria 4.0’. Há também a ‘agricultura 4.0’, a ‘educação 4.0’, mas o apelido ainda não se estendeu ao professor.

Mas o que significa este ‘4.0’?

Vamos começar com o palpável conceito de ‘indústria 4.0’ que, segundo o SEBRAE, consiste em uma era que reúne máquinas inteligentes, análise computacional avançada e o trabalho colaborativo entre pessoas conectadas para gerar profundas mudanças e trazer eficiência operacional para setores industriais.

Tal conceito, quando transposto para a área da educação, traz as referências do processo que a indústria tem sofrido desde o século XIX, com a Primeira Revolução Industrial – o ‘4.0’ faz uma alusão à Quarta Revolução Industrial – ou seja, uma educação voltada as novas tecnologias, com conceitos interligados e valorização do trabalho em conjunto. Desta forma, a complexa linguagem computacional, a inteligência artificial, a internet das coisas (IoT) e, ainda, o famoso ‘aprender fazendo’ que, intermediado pelas metodologias ativas, contempla ‘a mão na massa’ (ou a aprendizagem ‘maker’), a experimentação, os projetos, o design thinking, entre outras coisas.

E o professor nesta história? Quando penso em ‘professor 4.0’, eu me pergunto: como? Não temos. Por que? Existe praticamente um abismo entre a formação docente e as novas tecnologias, o trabalho colaborativo entre as disciplinas e o aprender fazendo. A estrutura curricular das instituições, de forma geral, não acompanha a velocidade das coisas – o tempo líquido – e me atrevo a dizer que as formações estão cada vez mais líquidas.

A grosso modo, a formação docente se comporta como na compra de um carro novo: quando você coloca as rodas para fora da concessionária, já perde cerca de 30% do valor que você investiu. A mesma coisa ocorre no ensino superior: quando nos formamos uma parte do conteúdo já está defasado.

Óbvio que existem disciplinas e conceitos que são atemporais, e que são de extrema importância na formação do aluno enquanto profissional. Cada área tem seus pensadores, teóricos e conceitos que perduram com o tempo. E isto também se aplica na educação. Mas o que me perturba é o fato de existir amparo legal para a oferta de disciplinas ‘coringa’, sem ementa específica, justamente para tentar resolver os gargalos encontrados durante a formação do aluno. Mas boa parte das instituições preferem trabalhar temas importantes como tecnologias da educação ou metodologias ativas de forma transversal ou como prática pedagógica, feitas de qualquer maneira. Além disso, existe a barreira de quem ensina: como ensinar sem ter vivido ou se preparado para aquilo? É um ciclo vicioso e perigoso.

A adequação do profissional docente dentro da ‘educação 4.0’ nos dias atuais depende de um esforço pessoal com o objetivo de se atualizar e compreender sobre os impactos das novas tecnologias na educação. As tecnologias na educação são extremamente dinâmicas, e não se resumem somente a sentar no computador, acessar algum site ou até mesmo um jogo educativo: vai muito além.

Quando o indivíduo finaliza a sua licenciatura, sai defasado em relação às exigências da escola nos quesitos que compõem a base do ‘4.0’. Um exemplo claro deste descompasso é a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A BNCC trabalha os seus conteúdos por eixos temáticos que possuem objetivos próprios e que resultam em desenvolvimento de habilidades específicas de acordo com cada eixo e objetivo. Além disso, a BNCC incentiva a interdisciplinaridade – o que vem ao encontro dos novos movimentos educacionais, encabeçados por escolas que visam a formação de cidadãos globais; ou seja, a escola trás para si a formação do aluno por inteiro – o que, de uma certa forma, busca solucionar a aplicação dos conceitos no cotidiano do aluno, atribuindo e agregando valor ao conhecimento, não só o saber por saber. Quando a BNCC incentiva a interdisciplinaridade, ela, de uma certa forma, sugere a aprendizagem através do uso de metodologias ativas, projetos, e tantas outras formas de ensinar que diferem da relação professor X quadro X alunos enfileirados.

Assim, observamos que até as diretrizes que orientam as temáticas que devem ser ensinadas no ensino básico exigem uma formação que não é contemplada por boa parte das instituições de ensino, sejam públicas ou privadas, evidenciando ainda mais o abismo entre a formação e a prática profissional. Formam-se professores ‘3.0’ para um mercado ‘4.0’.

Nesta série de quatro artigos vamos discutir sobre a formação docente nas licenciaturas, e como esse processo interfere na relação do professor com a ‘educação 4.0’. Além disso, vamos tratar também sobre alguns caminhos e exemplos que irão demonstrar que é possível realizar uma quarta revolução na formação docente, com reflexos positivos na formação dos futuros cidadãos.

Aline Carneiro Silverol, conteudista e professora universitária, é doutora em Geociências pela Universidade de São Paulo e uma apaixonada pela Educação e pela formação docente.