Estão afrontando a inteligência dos brasileiros. Por Adalberto Piotto.

Esqueça o pensamento único do isolamento.

Ele não está mais funcionando. É preciso inovar e tratar preventivamente, buscar alternativas que não sejam o prende e arrebenta a cidadania e os direitos dos brasileiros.

Isso não significa dizer que vamos deixar tudo explodir com estilhaços letais nas UTIs dos hospitais. Ninguém em sã consciência quer isso. Mas não se insista em fórmulas que demonstram cansaço e ineficiência.

Estamos em meio a uma guerra política quando deveríamos estar somente concentrados na guerra à pandemia, em salvar pessoas.

Os governadores, por esta guerra política que citei, medo do desconhecido, incompetência, reconhecimento das limitações do sistema de saúde, arrogância, prepotência, incapacidade de diálogo, politização de elementos químicos (o caso da hidroxicloroquina), sob a influência ou não de médicos e cientistas do pensamento único do ‘para tudo, fecha e arrebenta’, por alguma dessas razões ou tudo isso junto, negaram-se a discutir possibilidades, não deram voz a outros com outras ideias. Não contemplaram sequer possibilidades alternativas. E cometeram o erro de copiar soluções mundo afora sem levar em conta a realidade brasileira. Na lacração do ‘fique em casa’, ‘aqui, estamos ao lado dos médicos e da ciência’ como mantras dogmáticos, os governadores agiram como uma manada e seguiram o berrante da insensatez e da falta de inteligência ao fazerem praticamente a mesma coisa em regiões e estados tão diferentes neste país imensamente diverso e complexo. Alguns poucos começam a perceber o erro de não adequar suas ações, individualizar procedimentos, tropicalizar o combate à pandemia, e começam a dar poder de decisão a prefeitos, por exemplo.

‘Salvar vidas’, que se transformou em um mantra de propaganda política – não uma preocupação essencialmente humana – é um termo muito genérico que só se une na intenção nobre de fazê-lo. No mais, há formas e meios muito diferentes de se por isso em prática, que talentos locais, desde que independentes e com a cabeça aberta, seriam capazes de dar andamento técnico e eficiente no combate à pandemia e na proteção às pessoas.

Essas diferenças que todos conhecemos, o tamanho da diversidade e complexidade nacionais, talvez sejam a explicação para uma adesão baixa, e que vem caindo, do isolamento social.

Dê-se o direito à sensibilidade e compreenda o país em que vivemos para entender as razões que precisam ser levadas em conta, antes da crítica aos que estão nas ruas.

– Necessidade. Qualquer ajuda governamental é paliativa. Estávamos saindo de uma crise, as pessoas ainda estão endividadas, os salários já eram baixos, não havia reservas na imensa maioria das contas pessoais. Ao perceber a necessidade de precisar voltar a ter renda maior, o cidadão vai em busca porque se não satisfizer minimamente a atual necessidade, amanhã ela se torna o desespero, o que ele, racional e inteligente, preocupado consigo e a família, quer evitar.

– Falta de credibilidade dos líderes políticos. O governador de São Paulo é pego em um telefonema tramando a saída do ministro da Economia, jogando tudo o que tem contra o atual governo. Que ciência tem nisso? Ou ser contra uma discussão aberta sobre hidroxicloroquina e isolamento vertical? Já disse que uma posição sempre vai prevalecer, modificada ou não, mas que precisa ser fruto de uma discussão intelectualmente honesta. Houve esta discussão? Não! Ciência pode vir de todos os cientistas, não só dos seus. Os governadores do Nordeste, de oposição desde sempre, só engrossam a fileira do colega de São Paulo. O prefeito da capital paulista, perdido entre tentar ser prefeito e só conseguir ser assessor do governador, decreta um rodízio draconiano que resulta em filas e lotações maiores no transporte público. O que você quer que as pessoas pensem?

– A imprensa de uma nota só. Jornais, telejornais e rádios, em sua maioria, subestimaram opiniões diferentes que não a do pensamento único vigente. A ideia de pânico, terror e o ‘fique em casa’ deixaram de lado a busca por fatos e a verdade, dando espaço real para outros posicionamentos. A crítica pesada inocentou os governadores e ficou só para o governo federal. Por mais que o presidente cometa exageros e até desatinos (falo disso mais abaixo), inocentar e tratar governadores e ex-ministros como inquestionáveis é algo que o público não perdoa. Digo há muito tempo, em palestras inclusive, que a média da população deste país foi politizada, no sentido nobre da expressão, adquiriu conhecimentos sobre a estrutura do poder, seus direitos, enfim, sua cidadania, pelo trabalho primoroso da imprensa dos anos 1980 e 90, um pouco do início dos anos 2000. Treinada, orientada e diligente, começou a cobrar da imprensa o que ela mesma ensinou a fazer em relação a outros poderes. Daí, se explica muito desse ceticismo e crítica ao trabalho da imprensa atual.

– O ex-ministro da Saúde deixa o cargo e sai cantando e abraçando sem máscaras em local fechado. Em crises, líderes precisam dar exemplo.

– O presidente da República coroa tudo isso, embora defenda posições alternativas extremamente válidas, também científicas, mas ignoradas pelos governadores e a imprensa, faz tudo com um barulho muito alto e com gestos de desobediência que não trazem ninguém ao diálogo. É um erro de comunicação atras de outro.

O Supremo Tribunal Federal e o Congresso invadem prerrogativas e se arvoram o direito de presidir o país. O cidadão aprendeu lá trás a função de cada poder. Olha pra isso e entende o significado de ‘parlamentarismo branco’, ‘juiz-estado’ etc. Vai se rebelar em nome da democracia.

Sabe a diferença entre enfrentar e afrontar? Governadores, presidente, Congresso e Supremo se afrontam.

E os brasileiros saem às ruas para enfrentar a situação.

Adalberto Piotto é jornalista e documentarista. Especializado em economia, é ancora de notícias em rádio e TV, articulista de realidade brasileira e produtor e diretor do filme ‘Orgulho de Ser Brasileiro’ e da série de webTV ‘Pensando o Brasil’.