De cara: o conto que não conta nada. Por Maeve Phaira.

A casa de vez em quando cai. A sua já caiu? Não caiu? Então, se ainda não caiu vai cair, a minha já.

A minha casa já caiu três vezes, o que já ajuda um pouco, porque a primeira vez que a casa caí é sempre mais difícil, depois, bem, depois a gente até se acostuma a levantar outra de novo, acreditando que dessa vez ela não vai cair, mas cai, ela sempre cai, a casa, de tempos em tempos, cai.

E a vida já me deu tantas rasteiras, tombos, e golpes certeiros, que hoje vivo numa espécie de plantão permanente, 24 horas, não, não sou médica, “Deus me livre!”, não levo jeito para cuidar dos outros, mas vivo de plantão na vida, vivo fulltime. Sempre pronta para receber o destino, venha ele de onde vier, estou armada até os dentes para lutar.

Corri uma vida inteira para construir tudo o que eu queria na minha vida, e realizar todos os meus sonhos: ter um bom emprego, me casar, e ter uma família, dinheiro, viagens, uma casa na praia, na serra, ou no campo, vários cartões de crédito, ou apenas um, sem limite – de preferência, para atender a todas as despesas da casa

E para realizar tudo isso, claro, fiz o que eu podia, fiz tudo mesmo, acredite, e mais um pouco, até o que eu não imaginava, fiz. Não, mas não foi um ano nem dois, foram muitos, e muitos anos da minha vida, com certeza não foram poucos, nem sei quantos.

Depois de tudo sonhado, planejado e realizado, nossos sonhos todos ali, naquela casa, naqueles sonhos, até que durou alguns anos, tudo aquilo, mas caiu, ah… caiu. E o estrago posso adiantar que foi grande.

Sempre ouvi dizer que o destino vem ao nosso encontro. Não importa o que sonhamos para nossas vidas, ele, o destino, um dia se aproxima de nós, independente da nossa vontade, ele sempre chega. Nunca acreditei nisso até que ele veio ao meu encontro, e me atropelou.

André, o destino, chegou na minha vida por acaso, do jeito que o destino sempre chega, sem avisar. Depois que a primeira casa caiu, e todos os meus sonhos cairiam também, bem, eu permaneci sozinha, por alguns meses, mas não foram muitos, logo substitui meus sonhos por outros sonhos. Afinal, a vida é curta. E depois tem outra coisa muito importante. Tudo o que construí no passado já estava no chão mesmo, não tinha jeito. Era seguir, ou permanecer naqueles escombros e, inerte, segui.

Mas dessa vez, eu não tinha sonhos com ele. Achei que seria interessante viver com alguém assim… sem sonhos, sem construir coisa alguma, viver apenas o dia, o dia a dia, nada mais. Mas aí descobri que isso também era um sonho. O meu sonho agora era não ter sonhos. Então, eu tinha um sonho, sim! E o meu sonho de não ter sonhos era o meu sonho com André.

No início até que deu certo. Mas ele foi se entranhando, se é que esta palavra existe ou serve para explicar o que aconteceu, acho que sim, foi penetrando, afundando, só que nas minhas horas, nos meus dias, de tal modo que quando vi bem, ele já estava ali. Estava dentro da minha casa, era o destino, o André. Meu único sonho, que era justamente não ter sonhos com ele, foi por água abaixo e, quando vi, a gente estava planejando o futuro; eu fazendo planos, ele também, enfim, nós dois construindo novos sonhos, cartão de crédito sem limite, acreditando que dessa vez, ah… dessa vez tudo seria diferente, não foi. A casa caiu.

E lá fui eu para a terceira casa, afinal, a vida é curta, a gente sabe, e depois tudo o que construí no passado já estava no chão mesmo, não tinha jeito. Era seguir, ou permanecer naqueles escombros e, inerte, segui.

Na terceira casa cheguei toda desconfiada, um pé na frente, outro atrás, pisando leve, tipo gato, devagar, naquela selva disfarçada de lar, acreditando que o ambiente era perigoso, arriscado, e que tinha grandes armadilhas por ali. Eu olhava até atrás das almofadas da sala, hesitante, ressabiada, arrepiada, como se tudo aquilo fosse mesmo uma selva, onde eu teria que descobrir, a cada dia, os grandes mistérios para sobreviver na mata, e era. Porque todas as casas são selvas. 

Afinal, duas casas no chão não é brincadeira, a gente passa a não acreditar em mais nada, muito menos nos próprios sonhos, mesmo quando não há sonhos, tampouco se acredita nas almofadas da sala. Na terceira casa, algumas paredes até falam segredos que a gente nem imagina. Os quadros permanecem calados, grudados nas paredes. Hoje desconfio deles, os quadros. Deve existir vida fora dali.

Mas de qualquer forma não se chega na nova casa de mãos vazias, não se chega sem levar nada, alguma coisa a gente sempre leva… nem que seja o passado, afinal, ninguém entra numa casa de mãos abanando, como quem não quer nada. 

Eu levei o que tinha, e o que tinha não era pouco. Eu tinha mais passado que futuro, certamente, mas ainda assim também acreditei que dessa vez tudo seria diferente, afinal, a vida é curta e, depois, tudo o que construí no passado já estava no chão mesmo, não tinha jeito. Era seguir, ou permanecer naqueles escombros e, inerte, segui.

Ah… esqueci de dizer que tenho oito asas, mas voo só com duas.

Maeve Phaira, jornalista, advogada, autora do livro Outono em Copacabana.

Imagem: Google.