Caso Faustão: por que divórcios corporativos podem ser mais difíceis e rancorosos do que os pessoais? Por Luiz André Ferreira.

Não existe nada mais injusto do que negar a um colaborador o direito a despedir-se de seus colegas, retirar seu material pessoal, usar seu portfolio, incluir suas realizações em seu currículo… O mínimo que se espera dessa cordialidade corporativa é uma despedida com direito a agradecimentos de ambas as partes.

E, no caso da comunicação de massa, há ainda algumas peculiaridades… o público (consumidor) se confunde com os companheiros de ofício. Não à toa, o maior desses comunicadores, Silvio Santos, chama eternamente seu auditório, eminentemente feminino, de “colegas de trabalho”.

Não vou entrar em detalhes do imbroglio Fausto Silva X Rede Globo porque meus companheiros que cobrem celebridades já estão, com muito mais competência do que eu, dissecando, repercutindo ou suitando essa história. (Suíte, em jornalismo, é dar continuidade a um fato em uma outra notícia ou série subsequente para incorporar fatos novos ou atender ao incansável interesse do público).

Por isso quero tratar o caso pelo lado do comportamento corporativo no mercado da comunicação. E este traz justamente uma contradição numa empresa que busca a profissionalização e que vem promovendo rigorosas práticas de compliance organizacional e de transparência em seus processos administrativos, mesmo que para isso venha a sofrer cortes na própria carne.

Esse tipo de medida só é realmente interiorizada ao processo se for executada em mão dupla e horizontal, ou seja, sirva para todos e em ambos os lados. Se não, fica parecendo só “para inglês ver” (no caso, investidores, financiadores, patrocinadores e público). As condutas, relacionamentos e práticas ético-comportamentais devem ser cobradas de seus colaboradores da mesma forma como as ações da direção.

Trago aqui maia dois casos recentes. Apenas porque tornaram-se públicos pelas partes e, assim mesmo, de forma meramente ilustrativa, sem querer abrir agora nenhum juízo de valor ou criar um nariz de cera. (Nariz de cera é usado quando o texto jornalístico abre desviando do assunto ou usa um preâmbulo para, só depois, entrar realmente no fato em si).

Marcius Melhem e José Mayer – afastados compulsoriamente pela Rede Globo por comportamentos considerados inadequados, de acordo com as regras de compliance. Será que agora, a mesma medida deveria ser tomada para a Globo se autoavaliar eticamente diante da postura adotada com o comunicador Fausto Silva? Houve exagero por parte de seus superiores?

Entenda o caso

Alguém trabalhou 32 anos sem nunca faltar (deixando cobertas, antecipadamente, suas férias). Este profissional se ausenta pela primeira vez por um problema de saúde e a direção aproveita a sua substituição de urgência e a transforma em definitiva até o final do contrato (que se extingue em dezembro, sem renovação – o que já se sabia). Óbvio que, diante dessas circunstâncias, já havia a intenção de afastá-lo, mas teria a direção tomado tal atitude se não tivesse esse empurrãozinho?

Lembrando que a história da TV é repleta de casos como este… Chacrinha largando a Globo em 1972, Dercy Gonçalves afastada da mesma, Flávio Cavalcanti na TV Tupi, Jota Silvestre ao deixar o SBT, e até Hebe Camargo – ressentida de não ter podido fazer seu último programa na Bandeirantes – conforme relatado na minissérie que a própria Globo produziu sobre a Rainha da Telinha, coincidentemente, envolvendo a mesma concorrente, a Bandeirantes.

Já não fazia sentido naquela época achar que conseguiriam abafar a ausência do colaborador com efeito-surpresa, antecipando sua saída, impedindo despedidas, boicotando seus comerciais ou tentando apagar todos os seus vestígios…

Quando os meios de comunicação tradicionais vão entender que não são mais a única voz dominante? Ainda mais agora, com o poder das mídias sociais! Faustão e os Saad agradecem… Não poderiam ter feito de forma mais eficiente essa maciça e viral campanha de divulgação com que a Globo presenteou a ambos gratuitamente para o novo empreendimento da Band! Só serviu para atiçar o público, angariar empatia e solidariedade, criar expectativa, além de termômetro do mercado publicitário para a concorrência. Isso sem falar em injustas comparações com colegas Thiago Leifert e Luciano Huck – improvisados sem um projeto próprio. Ou seja, anteciparam e amplificaram uma agenda positiva só para a concorrência (que só aconteceria em 2022) e, assim mesmo, diluída no mar de novidades das grades de programação…

Eu só conversei com Faustão uma única vez. E foi justamente no enterro de Roberto Marinho, num velório reservado na Casa do Cosme Velho – a que, hoje, é Centro Cultural… Estava pela internacional Reuters. Havia alguns jornalistas no momento, mas mesmo assim chamou a atenção de todos a deferência com que ele fez questão de atender a cada um de nós, isoladamente, independente do prestígio e repercussão dos veículos. E neste grupo estava justamente uma equipe da Bandeirantes, emissora da qual tinha saído para estrelar na Globo e para onde, ironicamente, retorna agora com esse episódio desnecessário.

Fica a dica…

Bom, para os não terraplanistas, o planeta (e a Globo) são redondos… e dão voltas! Ah… como dão!

Luiz André Ferreira é jornalista e professor universitário. Mestre em Bens Culturais e em Projetos Socioambientais. Pioneiro – em 2002 -, com o lançamento da coluna “Responsabilidade.com” sobre ética e sustentabilidade no jornal Le Monde. Tem passagens pela Reuters e grupos Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e Jornal do Brasil.