Aplicação da internet 5G pode promover a 'reforma agrária' ou aumentar o atraso entre o agro e outros negócios. Por Luiz André Ferreira.

Deixando a poeira baixar após a euforia em torno do leilão de concessão da internet 5G, precisamos desmistificar. Não é só licitar. Lembremos que avançamos com muitas privatizações, mas em outras observamos um total retrocesso e descontrole. Por isso é preciso cobrar para que a Anatel cumpra efetivamente o papel para o qual foi criada: o de agência reguladora.

E se a sociedade não fiscalizar a agência, podemos repetir o passado com a priorização de áreas mais desenvolvidas, ricas, densas e com infraestrutura mais adiantada. Um dos setores que mais pode se beneficiar dos recursos da nova geração da internet é o agronegócio. Porém, na realidade do Brasil contemporâneo ainda convivemos com conectividade medieval em algumas áreas rurais.

Estimativas apontam que, em 8 anos, boa parte do país poderá estar sendo coberto pela internet 5G. Mas não podemos esquecer que já entramos nessa tecnologia com um retardo em relação a países concorrentes. Fora que, um ano na velocidade do mundo atomizado de hoje, isto é o correspondente a mais de uma década de outras épocas.

Área de sombra nas zonas rurais

Estamos tão atrasados neste campo que uma das contrapartidas exigidas para a exploração do novo serviço é o comprometimento das Teles em entregar o trabalho de casa que já tinham deixado de entregar no passado: massificar a internet 4G nas muitas áreas descobertas. Ou seja, completar o acesso à tecnologia anterior ainda em débito. De acordo com a Anatel, 89,2% da população brasileira é atendida pela rede 4G, mas… adivinhe onde ficam os 11% não cobertos?

Só para se ter uma ideia, existem espaços rurais ainda 100% às cegas, onde sequer o telefone convencional e a eletricidade chegaram!

Segundo o Atlas do Espaço Rural do IBGE, dos 5,07 milhões de estabelecimentos rurais, 3,64 milhões ainda operam off-line. O ponto mais crítico é o que segue do Maranhão ao Piauí com os menores percentuais, apenas 57% possuem o 4G. Entre 12 a 14 mil propriedades não dispõem de nenhuma cobertura!

A prova de que o problema não é de acesso à tecnologia, mas de conectividade, é um estudo divulgado em 2020 pela Associação Brasileira de Marketing Rural (ABMR), que aponta que 94% dos produtores rurais possuem celulares, sendo 68% smartphones. Porém, para driblar esse gargalo comunicacional, alguns precisam usar como alternativa a fibra ótica, satélite e bandas analógicas de baixa frequência.

Aí fica a pergunta: para que essa atitude de se ressentir da ausência da internet se se sobrevive sem ela usando alternativas? A resposta é simples: o aumento cada vez mais acirrado da competição. Certamente os que possuem melhor conectividade no atual mundo globalizado terão vantagens em preços, redução de custos, otimização da mão de obra, logística e comunicação entre stakeholders.

IC – ‘internet das coisas’, automação e robótica no agronegócio

Não resta a menor dúvida de que a transformação digital no campo pode promover uma verdadeira revolução no modelo atual do negócio. Deve influenciar diretamente na produtividade, transporte e sustentabilidade.

Lembrando que a entrada da quinta geração deve tirar da esfera da ficção a tecnolodia IoT (internet das coisas na sigla em inglês – internet of things). Nessa mesma trajetória também devem se tornar viáveis as aplicações de robótica e automação no agronegócio. Boa parte dos equipamentos e maquinaria, em geral importada e moderna, já possui a interface digital acoplada. Porém, o que falta é justamente a conectividade para que os equipamentos se comuniquem entre si, com um centro de comando que garanta a aplicação da I. A. (inteligência artificial). Assim, podem ser transformados e em colhedores não só de produtos agrícolas, mas efetivamente de dados.

IA – ‘inteligência artificial’ e biotecnologia no agro

Enquanto realizam suas funções básicas, como arar e irrigar o solo, os players podem produzir simultaneamente muitas informações para serem aplicadas na rotina do modelo de negócio. Seus sensores serão capazes de captar e transmitir uma enorme gama de dados e diagnósticos como pragas, doenças, apontar a quantidade precisa de água… Além disso, acompanhar o crescimento, monitorar o preparo da terra, o plantio de sementes, o cultivo e mensurar a colheita.

A tecnologia pode ser usada ainda em operações remotas e autônomas de tratores, colheitadeiras, drones e outras máquinas inteligentes. Dessa forma, é possível visualizar e traçar metas e ações com maior precisão e assim evitar desperdícios, acidentes além de aumentar o tempo produtivo.

A biotecnologia rural também ganha forte impulso com a implantação da internet 5G nas propriedades. Os dados coletados pelas máquinas podem resultar em conteúdos para alimentar pesquisas, experiências e ações efetivas nas rotinas aplicadas.

5G na televeterinária

Na pecuária, o futuro pode ser ainda mais promissor. A telemedicina e as cirurgias a distância podem ser estendidas para a ciência animal. Assim, além de baixar custos vai-se agilizar o atendimento, evitando o deslocamento de veterinários e agentes de saúde aos criadouros mais distantes.

Isto, sem contar que as aplicações na nanotecnologia e na biotecnologia que podem se beneficiar da conexão 5G em prol da eficiência pecuária. Ou seja, as criações poderão ser acompanhadas remotamente desde através de simples câmeras até drones e implantação de chips cutâneos. Possibilitará diagnósticos mais precisos, tais como: detecções de doenças, melhor aproveitamento nutricional, identificação de períodos de cio, processo de inseminação artificial, gestação, pré-natal e parto.

5G na logística: estradas conectadas e veículos autônomos

Além do modelo de produção, a internet 5G também poderá influenciar positivamente o escoamento dos produtos para os centros consumidores e de exportação. A logística é justamente uma das grandes vilãs da cadeia produtiva agropecuária, responsável pelo encarecimento, perda de competitividade e índices alarmantes de desperdício.

Ao contrário das carretas, que possuem velocidade controlada, a velocidade da tecnológica é quase exponencial. O tráfego de dados, quanto mais rápido, traz mais segurança e eficácia. Ou seja, para as estradas, a navegação de dados será quase tão importante quanto a boa pavimentação asfáltica. No entanto, esse mapa precisa urgentemente ser modernizado. Atualmente, já possuem ultrapassada 4G apenas 41% da malha das seis mais movimentadas rodovias federais. A situação é mais grave na BR 364 – que chega ao Acre. Por lá, essa cobertura alcança apenas 23%.

É preciso investir na tecnologia para dar luz a esses pontos cegos. Enquanto a internet 4G permite conectar 10 mil dispositivos por quilômetro quadrado, a 5G amplia para quase 1 milhão! Com a revolução dessa conectividade vai ser viável a implantação de veículos autônomos trafegando pelas rodovias, reduzindo custos, aumentando a eficiência, o planejamento e o monitoramento, além de diminuir-se o tempo de logística.

Luiz André Ferreira é jornalista e professor universitário. Mestre em Bens Culturais e em Projetos Socioambientais. Pioneiro – em 2002 -, com o lançamento da coluna “Responsabilidade.com” sobre ética e sustentabilidade no jornal Le Monde. Tem passagens pela Reuters e grupos Folha, Estadão, Globo, Bandeirantes e Jornal do Brasil.