Algoritmos e 'rabbit holes'. Por Daniela Kresch Shahar (via Facebook).

Desculpem pelo textão:

O algoritmo do YouTube me sugeriu hoje um vídeo chamado ‘Ark of the Covenant found in Jerusalem (documentary)’, postado em 2012, mas que parece bem mais antigo. Deve ser porque eu andei vendo uns documentários da National Geographic, alguns deles com arqueologia relacionada a religiões. O vídeo é um documentário esquisito, em uma língua que não consegui identificar, com voiceover em inglês, acusando o Papa de ser o anticristo.

É um vídeo de uma denominação cristã que acredita nisso. A acusação acontece no final de um vídeo que se fantasia de ‘arqueológico’, com a história de um ‘arqueólogo’ que teria encontrado a chamada ‘Arca da Aliança’ em Jerusalém. É claro que ele não mostra a tal arca. Ele só conta uma história absurda de sua ‘descoberta’. Depois, o narrador começa a dizer que o Papa é o anticristo porque leva as pessoas a cometerem pecados todas as semanas. Qual é o pecado? Descansar no domingo e não no sábado.

É fácil entender de que denominação é esse vídeo. E que acusações terríveis eles fazem, que podem influenciar alguém a decidir, quem sabe, atentar contra a vida do ‘anticristo’.

Agora que assisti o tal vídeo até o fim, certamente o YouTube vai passar a me sugerir outros vídeos religiosos bizarros. Para quem é ingênuo, o caminho do rabbit hole é rápido. A pessoa vai assistindo essas ideias, vai recebendo mais sugestões como essa e vai descendo a toca do coelho.

Há alguns dias, depois de ver ‘O dilema das redes’ e outros documentários sobre esses algoritmos das redes sociais, decidi tentar confundir o YouTube. Ver vídeos diferentes, sobre temas super distintos, procurar mais ativamente o que quero ver e não aceitar cegamente as sugestões. Tenho visto vídeos de moda, de História, Say Yes to the Dress, True Crime, música latinoamericana, musicais da Broadway… Assuntos totalmente diferentes. Mesmo assim, recebi essa sugestão horrorosa desse vídeo.

Fico pensando se a solução para o dilema das redes não é realmente banir esses algoritmos e voltar à situação de browsers que apenas estavam lá para você digitar o que quer ver. Digitar ativamente. Não receber sugestões passivamente.

Aí entra um parêntesis que não sai da minha cabeça. Há uns 15 anos, não sei ao certo, recebi a primeira sugestão de um browser de ‘personalizar a minha home page‘. Quer receber só notícias de assuntos que vc gosta? Ótimo! Não precisa mais ler sobre esportes se não quiser. Não precisa mais receber notícias (tinha menos vídeos naquela época) sobre fofocas ou capítulos de novelas, sobre bolsa de valores, sobre política regional. A partir de agora, vc pode receber uma espécie de ‘jornal só seu’. Só com o que vc gosta.

Tenho certeza de que os jovens de 25 anos que inventaram essa ideia, naquela época, acharam isso revolucionário. A palavra-chave é ‘personalizar’. Mas eu, como jornalista, não conseguia entender a lógica. Eu trabalhava em redação de jornal e achava importante que a primeira página fosse um apanhado de tudo o que aconteceu ontem, de todas as editorias, de todos os assuntos. Mesmo curtindo menos esportes, eu queria ler pelo menos a chamada sobre o maior acontecimento de esportes de ontem. Mesmo que não fosse ler a matéria, eu achava importante saber da existência daquilo.

Mas o que o browser me oferecia era receber uma primeira página ‘personalizada’. Ou melhor: diferente da dos outros. Alienada do que os outros estão lendo. O perigo dos algoritmos já começava aí. Eles queriam que eu vivesse só na minha bolha.

Sei que é ingênuo sugerir o fim dos algoritmos. E também não sei até que ponto isso não levaria a outros problemas. Mas a outra opção, de conscientizar os internautas dos perigos dos algoritmos, me parece ainda mais ingênua. Como se a Humanidade já tivesse se conscientizado de seus erros no passado, sem repeti-los o tempo todo. A terceira opção é continuar assim e ver o mundo inteiro se ‘abolhazar’ e entrar em tocas de coelho, em primeiras páginas ‘personalizadas’. Sinceramente, acho que isso é o que vai mesmo acontecer. Infelizmente.