A funda de Davi em boas mãos - contra o bando de monstros do pensamento único.

A cena – mil vezes recontada – está na tela das nossas mentes. Pelo menos nas dos crentes. O franzino rapaz se voluntaria para a impossível tarefa na batalha. Contra todos os prognósticos, munido de algo normalmente desprezado como arma – uma simples funda – avança com fé contra o gigante… e o derruba com um só golpe. Certeiro.

Corte seco para os dias de hoje – quando ninguém mais sabe o que é uma funda. E o nome Golias remete a um comediante brasileiro já falecido.

A sequência

Imagine… não um só gigante como na história original, mas um exército deles, marchando em ordem unida. Como clones do Golias bíblico, vêm avançando contra tudo e contra todos repetindo suas canções de guerra. O ordenamento do exército impressiona não só pela marcha, mas pelo canto. Todos cantam dando ênfase precisa nas mesmas palavras. O comando:

– Juntos!

– Esmagar, matar, destruir!

– Vamos!

– Calar, cancelar, extinguir!

É força bruta invencível! Lembra a cena que antecede a batalha campal contra o pequeno time do escravo insolente, Spartacus, no filme homônimo (1960) de Kubrick.

Mas… nosso herói… não é britânico como o diretor Stanley. É brasileiro. Saiu de uma outra sala do Shopping Complex, onde outro filme – A vida é bela – estava sendo exibido nas sessões da tarde. Sorriso no rosto, sarcástico e destemido, nosso personagem invade a cena de guerra para espanto de um Kirk Douglas em saiote de couro. E começa a girar sua funda, apontando as pedras que cata no chão para os gigantes aparentemente invencíveis – que vão caindo, um a um. Mudos.

A gritaria da falange foi diminuindo de volume enquanto Davi, com habilidade extrema, inteligência aguda e pontaria certeira, ia abatendo os gigantes. Num mix de enredos, reparando melhor, vemos que os gigantes eram ciclopes – ou seja, monstros de um olho só – que marchavam num padrão curioso; um passo com o pé direito e dois com o esquerdo, se acercando em espiral do seu opositor que, percebendo o algoritmo da marcha, desferia golpes fatais no atacado.

Esta é minha resenha, de um cinéfilo já com 30 e tantos anos de cadeira, assistindo sucessivas sessões em suspense, hoje desconfiado do modo streaming

Ora, como acontece em tantas reviravoltas de enredo, vai que numa dessas sessões o fim do filme muda e somos todos calados, esmagados e cancelados pelos ciclopes em consórcio…

Plot twist

Esta, porém, é a fita real; vintage e com final feliz. Já com mais de 30 e tantos anos de vitrine, em cartaz nas mais diversas trincheiras, digo, salas da resistência, o guerreiro avança. Não se trata – note-se – daquela resistência cenográfica contra o fascismo imaginário, mas a nossa, que recria em escassas salas de aula, e de redação, a saga de Davi e Golias… esta com o papel de Davi desempenhado por Guilherme Fiuza, nosso herói.

 

Ontem, quando este artigo foi finalizado, o livro Passaporte 2030 alcançou o primeiro lugar em vendas no ranking de obras de não-ficção da Publish News.

10 Lições do Passaporte 2030 (trechos editados)

“A idiotice viralizou, fantasiada de ética. As trincheiras de empatia cenográfica foram sendo cavadas a cada esquina digital contra o monstruoso inimigo imaginário – o neandertal moderno que eu posso projetar em qualquer um, no meu vizinho, no meu amigo, no meu irmão, bastando apontar o dedo duro para ele dizendo que não segue as normas de segurança difundidas por Lady Gaga, pelo Bill Gates e pela empática ditadura chinesa. De onde saiu a legião de tiranos enrustidos com suas variadas armadilhas autoritárias pintadas de bondade e altruísmo? Como sociedades tão esclarecidas passaram a se sujeitar docilmente à dominação dos medíocres e dos fracos. Como foi possível a ascensão do totalitarismo frouxo?”

“Certa vez, um líder obstinado decidiu conduzir sua nação sem rodeios para o caminho da virtude – e a partir daí buscar a purificação da humanidade. Era um discurso ético. Um chamamento à responsabilidade individual em benefício do bem comum. O projeto coletivo era tão obviamente bom que aqueles que não colaborassem só podiam ser obtusos. E uma revolução virtuosa não pode transigir com obtusos. Melhor calá-los, antes que a influência nefasta se espalhe. Sobreveio um grande trauma. Após a derrota do líder purificador, a humanidade se deu conta de que o projeto social ‘virtuoso’ tinha ido longe demais. E que a construção de um sistema de controle coletivo para guarnecer uma suposta ética tinha nome: totalitarismo. O Código de Nuremberg foi o conjunto de regras estabelecidas para que ‘nunca mais’ se repetissem as imposições desumanas do tal líder purificador que só pôde ser parado com uma guerra mundial.”

“O mundo do século 21 passou a assistir a um surto megalômano de nerds bilionários conectados a ditadores dissimulados e perfumados por animadores de auditório e subcelebridades em geral. A chamada Agenda 2030 do Fórum Econômico Mundial é uma representação vigorosa de dois valores marcantes do século 21: empáfia e futilidade. Conseguir juntar empáfia e futilidade já é, por si, uma façanha – e esta é a alquimia da modernidade 2030: potencializar a falta de potência, encher de presunção a mediocridade.”

“O lema da tal Agenda 2030 é: ‘Você não vai ter nada e vai ser feliz’. É um apetitoso convite de mentira – como tudo na cosmética politicamente correta – a um mundo de união, conectado pela inteligência e pela ética. Seria uma espécie de neorromantismo hippie, atualizado pela tecnologia, e que poderia soar até inspirador se não fosse falso. Mas a falsidade é um detalhe, como você felizmente já notou.”

“Os androides do Fórum Econômico Mundial trataram a Covid-19 como oportunidade. Capturaram com grande sensibilidade os anseios da burguesia narcísica e medíocre, que vende seu corpinho (e sua alminha) por qualquer maquiagem revolucionária. Você devia ter desconfiado na virada do século, quando começaram a vender desvairadamente a China como vanguarda do capitalismo. Um regime ditatorial, fechado, com a liberdade do cidadão na ponta da espada estatal… Como você acreditou nisso como a locomotiva da modernidade?”

“Você não estranhou a união de grandes veículos de comunicação, historicamente concorrentes, numa coisa que eles próprios passaram a chamar de ‘consórcio’? Consórcio de quê? De manchetes iguais? O que houve com a concorrência? Foi vítima de uma epidemia de notícias siamesas? Essa imprensa transformista alegou que o ‘consórcio’ era uma união para garantir informação confiável contra a propagação de ‘fake news’. Ou seja: um conluio de boa aparência.”

“Esse conluio entre ‘concorrentes’ saiu por aí disparando suas manchetes iguais para construir verdades de proveta. Transformou, por exemplo, a ideia de ‘distanciamento social’ – uma mistificação grosseira que nunca protegeu os vulneráveis e fingiu não ver as aglomerações nos transportes públicos – numa promessa de salvação. ‘Lockdown’ nunca passou de um slogan estúpido, sem um único estudo sério atestando sua eficácia – e mesmo assim as milícias checadoras do consórcio agiram furiosamente para perseguir quem não tratasse esse slogan estúpido como ciência.”

“Todos os sócios da empatia de mentirinha – das mídias aos governos, das academias às corporações – passaram a visar uma coisa só: a construção de um clube de elite fundado em falsas éticas. Não é que esse clube seja uma unidade, uma entidade definida, global, ou coisa assim. É apenas uma forma malandra de poder, totalmente legalizada pelos inocentes úteis. Entendeu o esquema? Ciência se faz com propaganda. Ou no grito mesmo. Quem não obedecer, apanha. Não só do Estado. A patrulha violenta vem também do semelhante, do próprio cidadão. A propensão humana para o controle da vida alheia virou praticamente um videogame nesses tempos neurastênicos”.

“Se você não vai ter nada e vai ser feliz, conforme a promessa generosa da Agenda 2030, quem é que vai cuidar das coisas que não serão suas e garantirão a sua felicidade? Fique tranquilo, alguém vai cuidar disso. Você só precisa estar em dia com o seu cartão de pertencimento social, que atesta a sua cidadania e te distingue dos subcidadãos incivilizados e sujos. Viu como é simples? O seu acesso à vida em sociedade estará sempre na palma da sua mão. Um toque na tela do seu iPhone e as portas se abrem para você – desde que o seu cartão de cidadão higienizado esteja em dia, claro. Mas essa atualização é simples. Basta uma picada e pronto, você está dentro. O que está dentro de você não interessa, eles tomam conta de tudo. Não era isso que você queria? Não ter nada e ser feliz?”

“Não é um golpe da ONU, da OMS e afins. Essas entidades internacionais caindo aos pedaços se tornaram a massa de manobra burocrática para ajudar a legalizar o clube. Os conceitos de democracia e liberdade passaram a ser a fachada para os pregadores de uma cartilha idiota sujeitarem qualquer lei às suas vontades particulares (fantasiadas de ética e empatia). O clube é um entroncamento de poder cinismo e grana – fantasiado de bondade. Se colar, colou.”

Manoel Marcondes Neto é diretor-presidente do Observatório da Comunicação Institucional.

Sobre Marcondes Neto

Bacharel em Relações Públicas pelo IPCS/UERJ. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, sob a orientação de Margarida Kunsch. Professor e pesquisador da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. Editor do website rrpp.com.br. Secretário-geral do Conrerp / 1a. Região (2010-2012).