‘Deu no The New York Times’. Henfil.
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Muito se tem debatido fake news, termo que traduzo por ‘falsa notícia’ – expressão em que, propositalmente, a falsidade vem antes.
Quem lê tanta notícia?
No Brasil, esquece-se a versão estrita do termo news que, em Portugal, se dá aos fatos que se sucedem e chegam ao nosso conhecimento: ‘novas’.
Sei, logo existe
Tal ‘chegar à consciência’, aliás, é primado da Fenomenologia – corrente filosófica que precedeu o existencialismo do século XX. Como pontifica Edmund Husserl, ‘o objeto é quando e porque é pensado’.
A questão
E como objetos de interesse ao pensar, assim como as novas, chegam até nós? Pelos meios (de comunicação).
Assim, no plural, fica exata a tradução de media – plural de medium. Na adaptação do inglês, ‘mídia’, esta horrorosa palavra.
Cultura de massa
Não por outra razão surgiu na USP, na virada 1966/1967, a Escola de Comunicações Culturais (ECC), antecessora da ECA (Escola de Comunicações e Artes). Com a mídia de massa (no pós-segunda grande guerra mundial), nosso contato ‘pessoal’ – e a transmissão das artes e da cultura – ficou, para sempre, ‘mediado’ – por editoras radiofônicas, televisivas, cinematográficas e, há um quarto de século, também digitais-telemáticas. Pareceu natural, então, colocar Comunicação e Cultura num mesmo lugar.
O resto é história
Ocorre que, nas discussões atuais sobre produção e mediação de conteúdos – na imprensa (para pasmo) e na CPMI do Congresso Nacional, bem como no STF – confunde-se, o tempo todo, meios e veículos – como se ambos os termos fossem sinônimos. Não são. É mais ou menos como confundir dado e informação. Um não existe sem o outro mas, absolutamente, não são a mesma coisa.
Mídia (os meios) é segmento, setor de atividade, composto basicamente pelo substrato da indústria cultural encarregado do jornalismo e, este, subvencionado pela propaganda – ambos, ainda, subordinando educação e entretenimento (BERLO). Fique claro que estou, aqui, tratando de CNPJs cuja atividade formal é coletar, editar e distribuir notícias. Nunca, jamais, de cidadãos comuns, MEIs e coletivos mais ou menos organizados como ‘clubes’, torcidas, militância política ou de causas sociais, além de claques amestradas (remuneradas ou não).
Será proposital a confusão?
Deve-se lembrar, sempre, que a expressão ‘indústria cultural’ também tem dono e pedigree. E o timbre na certidão de nascimento do termo é a Escola de Frankfurt. Pais: Theodor Adorno e Max Horkheimer. Ano: 1944.
Maverick
Como professor de fundamentos – e, por opção navegando na contracorrente –, devo ressaltar que, sem uma conceituação estrita e compreensível às partes que dialogam, qualquer tipo ou nível de entendimento fica prejudicado. Se um interlocutor confunde veículo com meio e veiculação com vinculação (sic) – como muita gente boa faz hoje, em Brasília principalmente – fica impossível prosseguir com um debate que chegue a bom termo, pacificamente.
E como estamos no que chamo ‘Era da Curadoria’ – na qual cada leitor, ouvinte, telespectador, internauta, deve escolher sua(s) fonte(s) de abastecimento de dados e informações – a célebre expressão de Marshall McLuhan, ‘o meio é a mensagem’, ganha uma sucedânea, a meu ver, mais adequada aos tempos de internet e redes sociais: ‘a fonte é a mensagem’.
Verdade (in)conveniente
Cuidemos do acesso às fontes de dados e informações como deveríamos cuidar dos mananciais aquíferos. A pena para tal descuido é a de morrermos sedentos de verdade.
Para mais sobre o tema – https://observatoriodacomunicacao.org.br/clippings/quem-produz-quem-veicula-e-quem-impulsiona-fake-news/
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ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro, Zahar. 1985.
BERLO, David. O processo da comunicação. São Paulo, Martins Fontes. 1960.
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Lisboa, Edições 70. 1990.
McLUHAN, H. Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo, Cultrix. 1974.