A economia associativa: uma circulação fraterna de dinheiro. Por Mariana Moura.

Em tempos de tamanha crise econômica, é mesmo muito difícil acreditar que exista algum caminho que possa explicar verdadeiramente os seus gastos financeiros diários, não é mesmo? E, mais ainda, que tal caminho possa te levar muito mais além do que o simples fato de você montar seu orçamento doméstico, certo? Pois bem, posso confirmar que este caminho existe e que se chama economia associativa.

Tenho vivido e aprendido todos os dias sobre ela, mas confesso que ontem foi ainda mais especial o aprendizado que tive. Pela primeira vez na minha vida eu pude desenhar meu orçamento doméstico de uma maneira bem diferente.

Eu e meu grupo de trabalho nos dispusemos a nos entregar a um processo de divisão de dinheiro bastante profunda e associativa. Primeiramente, cada um sozinho dividiu seus gastos em algumas categorias pré-definidas, tais como: casa/alimentação, saúde física e mental, dívidas, entre outras. Depois, compartilhamos esses valores entre nós, e foi aí que tudo começou a acontecer.

 

Ao me deparar com os valores dos meus gastos e sua proporção por categorias, consegui compreender muito sobre mim mesma e os outros. Entendi porque dou tanto valor e importância à minha saúde física e mental (29%), até mesmo antes de comer e cuidar da casa. Não à toa porque sou psicóloga, mas sempre carreguei dentro de mim que, para caminhar nessa vida com qualidade e saúde, é preciso – sim – de muito autoconhecimento e reflexões sobre mim mesma… e minha autobiografia.

Desde adolescente, em que fui convidada a iniciar esse processo de “olhar interior” através da psicoterapia, nunca mais deixei-a. Posso confirmar que a saúde mental é uma das grandes chaves para o desenvolvimento humano dos tempos modernos. E o campo da Economia tem tudo a ver com isso.

Embora estejamos presos ao modelo capitalista – que nos condiciona a crer que o melhor caminho é aquele em que acumulamos mais e mais dinheiro, nos levando a ser individualistas e competitivos -, na economia associativa isso é diferente. O ser humano nessas novas práticas econômicas conduz sua atuação através do altruísmo e deixa de lado o egoísmo. Suas ações têm liberdade responsável para consigo mesmo, com o outro e o mundo ao seu redor, partindo do princípio de que todos nós somos empreendedores de nós mesmos, colocando o “eu” e a prática econômica no centro de todo esse fluxo.

A partir de então ficaram bem claros e evidentes os comportamentos dos meus colegas, suas crenças e atitudes diante da vida, pois foi possível ver onde cada um destina mais ou menos dinheiro no seu orçamento e, consequentemente, para onde canalizam suas energias e impulsos de vida. Tive ainda mais certeza de que escrever meu orçamento doméstico é tornar-me consciente de mim mesma e do meu papel no mundo.

A vida econômica acontece entre duas coisas simples: capacidades e necessidades. É nessa troca do que eu ofereço de melhor para as pessoas e o que elas verdadeiramente precisam, que surge a economia. Mas para que ela ocorra nós precisamos de um movimento básico entre: trabalho, natureza e capital.

O trabalho, como nossa força motriz de colocar em ação todas nossas habilidades e talentos. A natureza, como geradora das nossas fontes e recursos para que isso possa acontecer. E, por fim, o capital, que surge e agrega valor a tudo isso.

Acontece que, na economia associativa, existe uma grande diferença entre capital e dinheiro. Enquanto o capital representa todas as nossas capacidades, habilidades e talentos, o dinheiro se restringe à uma simples moeda de troca, carregada de valor e uma série de outras propriedades, tais como: imagem, cor, marca d’água, assinatura e por aí vai.

Através de profundos conceitos deixados por grandes filósofos, mas principalmente por Rudolf Steiner e toda sua Ciência Antroposófica, de onde nasce a própria a economia associativa, é que compreendo uma das suas lindas frases: “escreva seu sonho, desenhe seu orçamento, que o dinheiro vem”.

Com tudo isso eu e meu grupo demos um outro passo na direção da divisão do nosso dinheiro. Após compartilharmos nossos orçamentos, e – é claro – nossas necessidades e capacidades, chegamos a um número certo do valor mensal a ganhar. Esse valor foi definido conjuntamente, por meio de diálogos profundos e sinceros, que nos levaram a tamanha reflexão sobre o papel do dinheiro e do trabalho na vida de cada um. Eu mesma cheguei à conclusão de que viver em sociedade é mesmo uma verdadeira arte, em que cores e mais cores se misturam, podendo formar todos os tipos de imagens que queremos e desejamos.

No centro da mesa estava nosso bolo de dinheiro para os próximos três meses de trabalho, e, junto a ele, estávamos nós, seres humanos, cheios de pensamentos e sentimentos de como tudo isso iria terminar. Cada um corresponsável por cada movimento desse valor, seguindo muito bem a cartilha da economia associativa.

Às vezes sentia medo, outras alegria, ansiedade, falta de paciência, muita compreensão, vontade de brincar e até de colorir. Mas, como numa espécie de mágica, codefinimos o valor que cada um ganharia nesse período. E, embora eu não ganhasse o que eu havia pensado dias antes, eu percebi que era o suficiente que eu precisava para viver bem e feliz nesse período. Percebi que pessoas precisavam de mais dinheiro do que eu naquele momento, e que isso era fundamental para que elas caminhassem ainda mais com vontade e certeza de estarem indo na direção certa do seu propósito de vida. E tudo isso vai “muito bem, obrigada”.

Mais do que definir valores e fazer a economia girar, a forma associativa com que os estudos da Ciência Antroposófica nos permite viver esse tipo de economia é o que nos empodera a termos atitudes e olhares abundantes para a vida. Através dela conseguimos caminhar verdadeiramente de forma mais consciente, pensando sempre no outro e no planeta em que habitamos. E se assim todos nós seres humanos conseguíssemos caminhar, talvez esse mundo estaria mesmo muito melhor do que hoje e melhor ainda do que amanhã.

“Um preço certo se dá quando alguém recebe, por um produto que elaborou, uma contrapartida que lhe permita satisfazer suas necessidades – a soma de suas necessidades que, obviamente inclui as necessidades das pessoas que dele dependem – até que ele tenha elaborado um produto equivalente“. (Rudolf Steiner, em julho de 1922, durante o curso de Economia Mundial).

Mariana Moura é facilitadora de processos de aprendizagem & organizacionais.