As redes sociais, ao se imaginarem a Corte de Haia, podem ter começado o seu fim.
Por este ponto de vista, não seria ruim.
O excesso de poder corrompe a alma, mesmo que ela seja virtual, cibernética. Nem a inteligência artificial é páreo para os valores humanos e suas consequências.
O mundo passou por guerras e revoluções para moldar suas leis e métodos de balanceamento e controle. São falhos, estão sob constante aperfeiçoamento, mas foram moldados no calor do debate público e passaram por muitas fases até ganharem formas e contornos, até se tornarem referências seguras.
Por isso que estas leis e métodos têm a necessária autoridade moral para serem os balizadores das sociedades. E só precisamos destes balizadores.
Os construídos sob a democracia são sólidos. Os das autocracias, ditatoriais ou não, sempre caíram.
É a história que nos conta isso.
A democracia e sua filha mais bonita, a liberdade de expressão, são tão vitais e inerentes às sociedades desenvolvidas, sobretudo as ocidentais, que seus valores, mesmo quando questionados, exibem origem e caminhos para eventuais alterações.
E que nunca são automáticas. Há debates, exibição de prós e contras e direito ao contraditório. Depois de tudo isso, a tese inicial da alteração raramente passa incólume às transformações provocadas pela discussão pública.
É a democracia que nos faz assim.
As nossas leis e métodos de balizamento têm base e conteúdo criados sob a ciência, a razão, com alma e coração. E um profundo e natural respeito ao coletivo e à história que nos trouxe até aqui.
Não são vazias como as decisões recentes de executivos do Vale do Silício ou de qualquer executivo que não merece o fardo de decidir pelo mundo inteiro. E nem poderia.
Não escolho os adolescentes de 40, 50 anos do Google, do Facebook ou do Twitter, ao defini-los, por qualquer intenção persecutória. Jamais! Apenas me referi a eles porque são eles que estão legislando, julgando e punindo nos dias atuais ao moderar posts, fotos e existências em suas redes.
Colocam o produto na gôndola e querem decidir quem pode comprar.
Somos uma sociedade com regras.
Quando executivos de um negócio privado, cuja matéria-prima principal são pessoas, se dão o direito de se insurgir contra as leis tradicionais destas mesmas pessoas, arvorando-se o direito de decidir por elas ignorando seus meios estabelecidos, mesmo que sob pressão de uma parte delas, estão na verdade tomando o poder público de assalto sem as agruras de serem o poder público.
Governantes, promotores, juízes, servidores públicos têm o peso da lei que os disciplina. E regras da carreira e de atuação como limitadores de suas ações. Além disso, o poder é transitório em muitos casos porque muitos estão sob o poder do voto, este transitório por si só.
Qual a punição comumente dada para executivos desastrados? Demissão com prêmios milionários ou, no extremo, a falência do negócio com os donos ricos? Raros são os casos de prisão, mesmo assim com direito a julgamento pelas regras do coletivo, em que o direito de defesa é inerente ao processo, que não se resume a uma canetada.
O banimento de Donald Trump das redes sociais pelos executivos do Twitter e do Facebook, ou a exclusão de aplicativos alternativos pelo Google e pela Apple, ainda não são uma ditadura, mas já são casos de despotismo explícito com poder de colocar governos e sociedades de joelhos.
Vamos permitir que déspotas se tornem ditadores?
Duas ponderações finais e necessárias.
A primeira é que tanto poder nas mãos dessas empresas não me parece ter sido um desejo primário de seus executivos. Foi, antes, a omissão de governos, políticos e acadêmicos. Também do conjunto da sociedade que pode falar, em certa medida. Mas isso requer outra análise tão longa quanto este artigo.
A segunda ponderação é que o banimento de Trump do Twitter e do Facebook, da forma como foi feita, apesar da incitação contra os poderes, é tão ruim para a liberdade de expressão – que têm fóruns para ser balizada – quanto seria o de jornalistas e escritores (caso brasileiro) que desejam a morte, fazem apologia ao suicídio ou outras estultices maliciosas próprias dos arrogantes com pretensão intelectual, mas que só estão em plena decadência profissional e moral.
Diante disso, insisto que o mundo inteiro não chegou até aqui para ser tutelado, passando por tudo o que passou, suas guerras e revoluções que criaram fronteiras e preservaram culturas, com a evolução de acordos de boa vizinhança e de trocas comerciais, coisas que mesmo com nossas diferenças nos permitem, para ter de perguntar antes a executivos do Vale do Silício o que se pode fazer e como viver.
Já existem meios para isso.
E não queremos substituí-los por algoritmos ou nerds e geeks de traje social fino, com preguiça de usar paletó e gravata, ou que vestem agasalho com capuz.
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Adalberto Piotto é jornalista e documentarista. Especializado em economia, é ancora de notícias em rádio e TV, articulista de realidade brasileira e produtor e diretor do filme ‘Orgulho de Ser Brasileiro’ e da série de webTV ‘Pensando o Brasil’.