Tem gente que confia, tem gente que nem desconfia.

Matéria publicada – Barômetro da Edelman / 2013

COMENTÁRIO DO OCI – Marcelo Ficher

A pesquisa traz informações alarmantes sobre o futuro de uma das principais instituições do mundo: a imprensa. Os dados da matéria referem-se a Portugal, mas provavelmente vamos ver resultados parecidos nos demais países. Em plena crise financeira, com recordes de desemprego, é até compreensível que haja uma diminuição nos índices de confiança nos governos, aos quais caberia encontrar soluções para os problemas sociais e econômicos, e nos bancos, que estão no epicentro das acusações de ataques especulativos contra as nações, ganância na condução dos negócios, pagamentos bilionários a executivos – tudo isso em meio a prejuízos monstruosos etc.

Também chama a atenção que as empresas de tecnologia estejam tão em alta conta para os portugueses. Caso estivessem vivendo no Brasil, teriam outra opinião. Aqui, as empresas que operam telefonia e internet, as mais visíveis dentre as que são do ramo de tecnologia, têm péssima reputação e estão entre as recordistas de reclamações junto aos órgãos de defesa do consumidor. Aqui, neste campo, a alta conta é aquela que chega todo mês, sem contrapartida que justifique tamanha diferença de tratamento em relação a outros países. Resumo da ópera: pagamos mais caro por serviços cada vez mais ruins.

Mas algo ainda pior estava por vir… Caiu também a confiança nos meios de comunicação, que agora são, na opinião do público, menos confiáveis que os motores de busca na internet, que assumiram a dianteira “como ‘a primeira fonte de informação geral’ (32%) e ‘fonte para confirmar informações’ (26%)”.

Ora, a imprensa é um dos pilares da democracia e isso não é figura de retórica.

O mundo fica pior cada vez que deixamos de acreditar em um grupo de pessoas que se reuniu em uma organização especializada para nos oferecer informação de qualidade em nome do interesse público…

As empresas jornalísticas vêm fazendo de tudo, isso é verdade, para desabonar sua própria atividade, misturando sem critério, jornalismo, publicidade e propaganda, o que aos olhos do leitor soa como algo estranho. Ele percebe que tem alguma coisa errada, mas não consegue distinguir o que é. Da mistificação à desconfiança é um pulo. Não se trata de um retorno à inocência, trata-se de que por diversos meios está ficando patente a um conjunto muito maior de pessoas que a chamada Grande Imprensa está cada vez mais preocupada com o próprio umbigo e que trata a informação prioritariamente como um negócio altamente lucrativo, antes de genuína responsabilidade social. Sempre foi assim, mas havia horizontes éticos muito menos elásticos. Acabou a cerimônia.

O que talvez as pessoas nem desconfiem é que os motores de busca não geram informação, são máquinas que buscam na Rede as informações que oferecem ao público. Os critérios de seleção, filtragem etc. não estão claros. Não há um jornalista sequer por trás da produção de tais informativos. Ora, se não confiamos em quem gera a informação, porque confiar em quem nos oferece apenas a sua reprodução, ainda mais segundo critérios inescrutáveis.

É de se admitir que, em termos de confirmação de informações, os motores tenham uma serventia adicional: a possibilidade de consultar múltiplas fontes, com muita rapidez e praticidade, para checar informações. Mas confiar nesses mesmos motores como a primeira fonte de informação geral significa adotar como principal referencial uma imprensa (?) de segunda mão. É como preferir comprar carros usados sempre de uma determinada marca, mas nunca confiar em seus lançamentos.

Como esses motores são apenas um amálgama, o que está posto é que estão desfazendo-se os vínculos de preferência por esta ou aquela linha editorial. A descontinuidade das fontes é um fator de desestabilização da organização do pensamento.

Politicamente, é trágico.

O exercício pleno da cidadania exige o entendimento do mundo de modo histórico, suas intenções e ações pregressas. A variação desordenada prejudica a coerência e a visão holística dos processos sociais. Corremos o risco de nos tornarmos uma espécie de “Maria vai-com-as-outras”, lendo aquilo que randomicamente os motores nos apresentam como “fontes”. Porque os critérios nesse caso são matemáticos, comerciais e artificiais, pois que todos nós sabemos que o “ranking” é construído, literalmente, a partir de parâmetros estranhos ao conteúdo. Mais quantidade de “clicks” que qualidade de “leaks”.

Se não entendemos a linha editorial das organizações que nos fornecem informação, estamos impedidos de estabelecer juízo crítico sobre o que lemos. Estamos (vi)vendo o que podemos chamar de “descontextualização da informação”. Ao invés de selecionar e descartar as informações, usando os jornais para embrulhar peixe no dia seguinte, como se diz, estamos deixando de acompanhar a produção das notícias: a própria fonte está se tornando descartável. Em uma área tão fundamental como a imprensa, é grave mirar no resultado e desprezar o processo. Garantir a feitura da imprensa com ética e transparência é tão importante quanto ter informação disponível em quantidade. Não basta ler, temos que saber como foi escrito.