Por que a "Europa" não existe... ou como fazer um mestrado no exterior pode mudar o mundo. Por Ariane Sefrin Feijó.

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Há quatro anos vivo em Lisboa, mas na última semana, durante 6 dias, fiz uma viagem como nunca pensei pela cidade.

Fui do salão nobre de um teatro construído para a Carlota Joaquina (a ex-rainha do Brasil), a um passeio no centro histórico de Lisboa por onde viveram fenícios, romanos e, no século XIX, parte disso foi transformado em uma padaria (o que talvez chamassem por uma variante do que hoje conhecemos como co-criação).

De uma história que acabou chamuscada, pulamos para dentro do oceano, e tivemos um dia inteiro de acesso irrestrito ao oceanário mais lindo do mundo – numa expressão bem portuguesa, “do mundo”, a qual refiro com convicção.

Também estive dentro do auditório reservado de um banco, com câmeras por todos os lados e referências mentais ao Big Brother e ao Banksy (CCTV is watching you), enquanto ironicamente refletíamos sobre questões como crise e jornalismo.

Mas essa viagem portuguesa não terminaria completa se não acabasse num barco, para nos relembrar que a coragem – e a necessidade – nos fazem navegar por oceanos desconhecidos, e só assim avistar terra nova, achando novos significados para os nossos (pré)conceitos.

Essa foi a história de uma semana que se encerrou em um passeio contemporâneo no primeiro dos meios de transportes possíveis para aqueles que queriam navegar o mundo, saindo do mesmo lugar onde corajosos portugueses partiram e tornaram possível hoje eu estar aqui contando essa história. Nessa minha viagem o mundo se encontrou em Portugal: uma reunião com colegas e professores de 30 países diferentes.

A viagem cultural que refiro não foi uma aventura turística, mas sim um programa acadêmico em Ciências Humanas chamado Summer School, dentro de uma estrutura teórico-prática chamada The Lisbon Consortium, onde faço mestrado em Estudos de Cultura.

Fui atraída por este curso pois me interessou justamente a proximidade entre o mundo acadêmico e o mundo no dia a dia. Ao começar o curso, porém, me dei conta que a realidade (europeia) contemporânea é complexa e incompleta, bem diferente do que a imaginação das telenovelas nos fazem crer quando afirmamos “eu vou p’ra Europa”.

Primeiro porquê: não há apenas uma Europa e essa ideia que nos chega simplesmente não existe – ou, quando existe, se trata de uma imagem de cartão-postal.

Segundo porquê: o que ainda resta de ideais humanísticos nesse construto filosófico está sendo esmagado por ideais de marketing turístico: uma atividade que tenta preencher os espaços incompletos, como se a única maneira de fazê-lo fosse pelo consumo.

Existem outras, inúmeras, que não tem a mesma visibilidade na internet ou nas redes sociais. Estas são a pesquisa séria e direcionada, o debate, a auto-análise e a análise das conclusões e dos questionamentos dos outros. A vida acadêmica, para quem já tem uma carreira profissional sólida como eu, é esse caminho. O título é uma consequência do aprendizado, e não uma premissa.

Estudar na Europa dá acesso a uma visualidade à qual nao temos acesso no Brasil. Não por nos ser negado, mas por ser inacessível por razões culturais e históricas. Até a história de Portugal que aprendemos não coincide com o que nos é ensinado. Ao estar diante de documentos reais do tal descobrimento, fica fácil enxergar imprecisões e manipulações políticas que sofremos ao longo dos séculos – não só no Brasil, mas também em Portugal.

Só conseguimos compreender o mundo se o vivemos e nenhum novo device tecnológico vai substituir isso. Só vivendo o mundo e trabalhando o momento presente, com um olho na história e outro no futuro, conseguimos nos posicionar quanto ao que se passa.

Talvez com essa vivência, e aqui reforço também a possível ingenuidade acadêmica de uma recém-iniciada no mundo do mestrado, consigamos evitar cozinhar a história como ocorrido num passado não muito distante no centro de Lisboa.

Não temos como estar na história em dois momentos ao mesmo tempo, e a história é diferente em qualquer lugar do mundo onde estejamos. Ao decidirmos fincar âncoras num outro lugar, mesmo com backgrounds culturais distintos, somos impactados pela história de onde estivermos fisicamente localizados.

É como sentir o mundo sob os sentidos do outro. É viver, de fato, o que ouvimos chamar de diversidade. Não é um game que joga com os nossos sentidos: é cabeça, coração e olho no momento presente. E essa história se soma à nossa propria, seja do ponto de vista cultural ou do ponto de vista da nossa cidadania.

Passamos a ser entao cidadãos de uma cultura em movimento, de um país que não pode ser geolocalizado pelo GPS.

Não importa onde escolhermos viver, com facilidades ou dificuldades, estudar e viver a vida fora de onde nascemos é uma realização do virtual, uma analogia do digital.

O digital nos permitiu perceber fronteiras de forma diferente. Mas ele não diminiu a fronteira como costumamos dizer. O digital dá asas a uma das nossas características mais básicas, de transitoriedade, de seres migrantes. Agora cabe a nós colocar em prática esse potencial de cidadãos culturais, cosmopolitas. De construir as bases de uma nação deslocalizada no território e territorializada no conhecimento, na troca, na criatividade, na co-criação.

Só vivendo este mundo do agora, com tantas metáforas para nos fazer compreender melhor a vida – app, o game, a internet – conseguimos estar presentes, de fato, e desenvolver novas conclusões que de alguma forma poderão impactar em gerações futuras. Para que a história fique marcada não apenas nas paredes e mosaicos como nos legaram os romanos, mas numa integração ainda maior desse virtual, com o digital e com o real. Mas isso, agora, é tema para a Summer School de 2015, cujo tema será Cidadania Cultural.