Do trivial variado... mas erudito.

O jornal O Globo, em sua edição de hoje, traz, em duas matérias diferentes, alguns “achados” civilizacionais muito bens pinçados por Roberto DaMatta (P. 19) e Francisco Bosco (P. 2). A eles:

“Nesses universos [Inglaterra e Estados Unidos] as regras da rua e do mundo – igualdade, autonomia, escolhas individuais e dinheiro – operavam também na casa… No plano ético, a transparência moderna não é para amigos e parentes, é para todo mundo… Lava-se roupa suja em casa. Pior do que o velho mote: aos amigos tudo, aos inimigos a lei; e o cínico: o bandido é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo. É lembrar o que dizia Nunes Machado, um líder morto na Revolução Praieira, que, num Pernambuco de 1849, manifestava o ideal de liberdade e igualdade m pleno império. Eu – dizia ele com uma rara sinceridade – sou capaz de todas as coragens, menos da coragem de resistir aos amigos!… Não estou pregando o fim da doçura doméstica. O que revelo é a dificuldade de fazer democracia navegando com duas bússolas: uma para os amigos e outra para os outros. Há uma República, mas ela até hoje não teve a coragem de resistir aos amigos, porque a politização positiva – a tão falada “conscientização” – jamais se conscientizou de que, para passar das graduações afetuosas da casa para a impessoalidade que o igualitarismo demanda na rua, há muito mais do que pensa o nosso democratismo de bolso, o qual não faz nenhum esforço para distinguir eficácia, mérito e roubalheira; de simpatia, partidarismo e amizade… A casa salva a rua? Ou é a rua que vai salvar a casa?”. Roberto DaMatta.

“Na semana passada a FIFA publicou em seu site uma cartilha para turistas durante a Copa. Intitulada ‘Brasil para principiantes’, elencava para o estrangeiro uma série de comportamentos dos brasileiros, a fim de ‘evitar mal-entendidos culturais’. A reportagem gerou polêmica nas redes sociais, e a FIFA a retirou de seu site… Alinhada ao espírito multiculturalista dos países ricos, a FIFA enaltece a “cultura local” até a página 2, isto é, desde que as diferenças seja controladas dentro dos limites de uma homogeneidade fundamental… lá estão nossos velhos conhecidos problemas: incapacidade de se colocar no lugar do outro, ‘horror à distância’ (para usar uma expressão de Sérgio Buarque de Hollanda), incapacidade de regular a vida social por princípios igualitários, ‘lei’ do mais forte… e a tendência de recalcar os problemas, o que obviamente só os perpetua… No caso da cartilha da FIFA, me parece inegável que ‘a pontualidade mão é uma ciência exata no brasil’, que ‘os brasileiros não estão familiarizados com o costume da Europa de manter distância como norma de cortesia e conduta’, que respeitar uma fila ‘não está no DNA brasileiro’, que o trânsito é ‘definido pela preferência do veículo maior’, que ‘no Brasil as coisas são feitas no último minuto’, e que a palavra não tem peso contratual na vida social, onde pequenas promessas privadas não têm, obrigação de ser cumpridas… Diante disso deveríamos aceitar o diagnóstico… Em suma, seria sinal de maturidade separar as coisas e, em vez de recalcá-las, contra-criticá-las… acatando-as se corretas, escarnecendo delas se meramente preconceituosas ou manipuladoras e aproveitando sempre o olhar desautomatizado para avaliarmos a pertinência e o sentido e valor civilizatórios dos fenômenos notados”. Francisco Bosco.

COMENTÁRIO

“O Brasil não é para principiantes”. Tom Jobim.

Conduta transparente e ética não é outra coisa senão agir em particular da mesma forma que se deve agir em público.

Sobre Marcondes Neto

Bacharel em Relações Públicas pelo IPCS/UERJ. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, sob a orientação de Margarida Kunsch. Professor e pesquisador da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. Editor do website rrpp.com.br. Secretário-geral do Conrerp / 1a. Região (2010-2012).