“Res Publica” com limites... não! Império da Mídia... sim! O “storytelling” das Organizações Globo.

Orwell 2

Deu n’O Globo (Opinião – P. 18) de 10/01/2014.

As várias frentes de ataque às liberdades.

O cerceamento da liberdade de expressão e, em particular, de imprensa, por meio de legislações restritivas à atuação dos meios de comunicação e à produção artística de modo geral, é uma faceta do autoritarismo conhecida em vários países. Na parte final do século passado, ainda na Guerra Fria, Estados ditatoriais, tanto de direita como de esquerda, se assentavam em sólido aparato repressivo para se proteger de inimigos políticos e ideológicos, com o uso também de leis e normas para reprimir jornalistas, escritores, artistas e produtores de arte em geral.

A queda do Muro de Berlim, no final dos anos 1980, e a consequente distensão ideológica fizeram renascer a democracia em várias partes do mundo. Como na América Latina. Enganou-se, porém, quem considerou sem volta o exercício das liberdades civis básicas – de pensamento e expressão.

A própria América Latina testemunha grupos políticos autoritários na ocupação de espaços importantes no poder em vários países, com o aceno para as sociedades de projetos astuciosos em que a liberdade é moeda de troca para se alcançar a “justiça social”.

A questão, no entanto, é mais ampla. A revolução digital em andamento, capaz de expandir a limites inimagináveis a capa cidade de difusão de informações, provoca, em contrapartida, reações antiliberais até em países improváveis.

A Inglaterra é um caso mais evidente. Denunciado o grave crime de invasão de privacidade por tabloides sensacionalistas (“News of the World”), o sistema de autorregulação da imprensa inglesa, que já era falho, foi substituído por outro mecanismo, também mal construído, pois a supervisão do que é divulgado continuou externa às redações. Pior, a mudança representou uma interferência do Estado na liberdade de imprensa, a quebra de uma tradição secular. E, por ironia, a denúncia de que repórteres trabalhavam como policiais e até contratando o serviço de agentes havia sido da própria imprensa britânica.

O vazamentos de segredos da NSA por Edward Snowden, por meio de vários veículos de imprensa no mundo, O Globo inclusive, colocou o jornalismo britânico novamente na mira do Estado. O “The Guardian”, um dos jornais que publicaram material retirado por Snowden dos computadores da agência americana de espionagem eletrônica, passou a ser bastante pressionado pelo governo, como relatou Alan Rusbridger, editor do jornal, ao Parlamento.

Fica claro que enquanto a tecnologia facilita, e cada vez mais, a difusão de conhecimentos e amplia o conteúdo de entretenimento, o poder público em geral procura restringir o direito de acesso do cidadão aos diversos meios, tornando o Estado um “pai grande” tutor da sociedade.

No Brasil, esta é uma tendência já conhecida. As lutas de MMA se tornaram o novo foco dos defensores desta tutela, depois do acidente sofrido por Anderson Silva na luta contra Chris Weidman. Mais uma vez usa-se um caso fortuito para justificar a “regulação da mídia”, pela qual programas de lutas e similares seriam banidos da TV, como se esses eventos já não fossem restritos, de acesso apenas a assinantes, exibidos na TV aberta em horários avançados. Além disso, a fratura sofrida pelo lutador brasileiro foi notícia de alto valor jornalístico e, portanto estampada na primeira página dos jornais do dia seguinte.

Não falta “regulação” na mídia eletrônica brasileira – há até em excesso. Mas, para que programas sejam banidos, será rever a própria Constituição. Retorna-se à discussão sobre a imposição da classificação etária de programação de TV. Torná-la compulsória é reinstituir a censura, também necessária para impedir a publicação da foto de Anderson Silva com a perna fraturada.

No fundo, mais uma vez tenta-se recorrer ao Estado para definir o que a população pode assistir. Daí é um passo para ele definir o que pode ser lido, ouvido, e assim sucessivamente, até a construção definitiva de uma sociedade orwelliana.

COMENTÁRIO

Não é a primeira e nem a última vez que um veículo das Organizações Globo publica sua ladainha preventiva sobre a revisão da regulação dos meios de comunicação que há de vir no Brasil (uma vez que o marco regulatório em vigor caminha para completar 52 anos…). É censura… É dirigismo… É intervenção estatal…

Mas o escriba da vez equivocou-se tanto – atribuindo astúcia somente aos que defendem o princípio de que a sociedade regulamente os media e negando os modos astuciosos de seus próprios patrões -, o que dá razão de sobra para que os veículos da mídia sofram supervisão da sociedade através do Conselho de Comunicação Social instituído pela Constituição Cidadã de 1988. Assusta-se com o que chama de “controle externo”. Quem ele considera que faria “controle”, nas emissoras e redações, contra a robusta caixa registradora abastecida pela propaganda? Auditores internos de consciência? É de dar dó, tão primária a sua argumentação. Outra coisa: que são “horários avançados”? Mais: se o Direito não utilizar “casos fortuitos” – reais, ocorridos, de conhecimento público – para demonstrar suas teses, utilizar-se-á de que? De ficção? Recorrerá a quem? Aos autores da novela das 9 da noite – de merchandising desabrido da franquia BBB – para construir uma “tese” defensável contra o BBB? Pelo menos esta pena de aluguel d’O Globo admite que só na instância da Constituição é que se aperfeiçoa o regime de concessões e admissibilidades da mídia. O fato é que esta legislação já existe. E é insistentemente descumprida pelas emissoras, com a cumplicidade daqueles que deveriam colocar-se em defesa da cidadania.

Ele ainda recorre à imagem de “sociedade orwelliana” – algo que seus patrões (nas Organizações Globo e nas suas auto-intituladas “co-irmãs” de ABERT) o são, integralmente – para condená-la! Refuta um “pai grande” tutor e, com isso, joga por terra todo o conhecimento psicanalítico e psicopedagógico que, nas escolas, fundamenta o estabelecimento dos necessários limites de conduta individual e normas para convivência social salutar. O escriba defende até a indefensável carnificina do MMA, um não-esporte vendido como se fosse, que nunca gerou uma linha sequer do tão incensado jornalismo “global” quando explorado por outras emissoras de TV. Por acaso o escrevinhador desconhece que a transmissão televisiva de lutas de MMA é proibida no estado de Nova York e em todo o território francês? Talvez acredite que tais locais – e seus legisladores – sejam toscos exemplos de sapiência humana. O “coleguinha” deve preferir os – ilegais – veículos de jornal, rádio e TV da família Sarney, da família Collor e de outras famiglias político-midiáticas. Já para com a Inglaterra ele foi assertivo: trata-se de um país imerso em barbárie… E, finalmente, recusa a ideia de que alguém nos diga o que ver, ouvir e ler, mas esquece-se de que seus patrões escolheram – e continuem escolhendo – quem podemos e não podemos, em seus veículos, ver, ouvir e ler. Exemplos conhecidos: Wilson Simonal, João Saldanha, Carlos Imperial… a lista é extensa. Ou seja, censura só se for a nossa…

Quando “nosso líder” (na voz corrente de todos os seus empregados, em todos os veículos e empresas do grupo), jornalista Roberto Marinho, estava vivo, encarnava pessoalmente o código de conduta do que seria, ou não, produzido e exibido. Ditava – literalmente – e com o direito de quem é dono, não poucas vezes censurou (para usar o termo tão demonizado) textos, artistas, músicas, programas, políticos (de Brizola a Maluf), jornalistas e matérias. E ninguém colocava em questão o poder de editor de quem, afinal, edita – a comunicação, e por que não dizer, a própria história.