Que instituições queremos?

Deu n’O Globo de ontem (09/05/2014), à página 6, na reportagem de Cleide Carvalho e Sergio Roxo:

Título: Para especialista, atos de violência vêm da descrença nas instituições.

Sub-título: Segundo pesquisa, 70,5% das pessoas não acreditam nas leis e 76,3%, no Congresso. Falta de confiança dos brasileiros aumentou de 2006 para cá.

A descrença nas instituições  pode estar por trás das manifestações de violência e de crimes bárbaros que têm ocorrido no país. Dados preliminares de sondagem do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (NUPPs), feito em março passado com duas mil pessoas em todo o país, mostram que 70,5% das pessoas não confiam nas leis; 76,3%, no Congresso; e 73,7% nos empresários. A instituição mais confiável no Brasil, de acordo com os brasileiros, são os Bombeiros (78%).

Segundo o cientista político José Veríssimo Romão Netto, do NUPPs, a série da pesquisa de confiança nas instituições públicas, realizada desde 1989, revela um aumento na falta de confiança dos brasileiros de 2006 para cá. Romão Netto vê nas manifestações e atos de violência atitudes que revelam ojeriza por tudo o que é político, como partido, representação e poder. Para ele, a maioria da população segue excluída das decisões no país.

– As leis só protegem quem faz parte da patota. Se não participo, o que faz essa gente não me diz respeito. Se eu não cuidar do que é meu, ninguém cuidará. Se alguém roubou, faz justiça com as próprias mãos, a ponto de achar uma bruxa e colocar na fogueira, como na Idade Média – diz ele.

Romão Netto lembra que a ideia de que o povo não existe é ancestral no Brasil e afirma que as elites acreditam que o Estado pode criar esse povo:

– O Brasil sempre foi um país em busca de quem governar. As leis de representação política nunca foram conquistadas. Em 1824, a representação foi criada para um povo que não existia. Para quem a Família Real governou quando chegou? Então, tentou criar uma categoria de gente governável.

O cientista cita como exemplo o debate sobre eleições diretas no Brasil, que, a despeito da pressão popular, não passou na votação do Congresso (a emenda que previa as Diretas Já, de Dante de Oliveira, foi derrubada no Congresso) e foi negociada e adiada para 1989:

– O calor popular iniciado em 1978 foi apropriado pelo Estado na década de 90. A organização, que era da sociedade civil, hoje integra o conselho de Saúde, conselho tutelar e organizações sociais de cultura, por exemplo. O Estado abriu poros para participação e arrefeceu o ato heroico da sociedade que se organizava, tentava falar contra ele.

Na prática, os líderes das organizações de sociedade civil acabaram incorporados a mecanismos de Estado em diversas áreas e esferas de governo. Normalmente, segundo o cientista, os que fazem parte têm simpatia política ou vínculo a determinado partido:

– Veja o caso da Parada LGBT em São Paulo. Soube que a Prefeitura investiu R$ 2 milhões no evento. É um dinheiro que não foi discutido, deliberado. Foi negociado diretamente com a comunidade política. Chamo isso de privatização de alguns setores do Estado.

Já o sociólogo e cientista político Ruda Ricci afirma que a decisão de invadir a sede das empreiteiras – como foi feito ontem por manifestantes ligados aos sem-teto – faz parte de uma estratégia dos movimentos de desvincularem do governo federal a insatisfação pela realização da Copa:

– Há intenção de se voltar para conglomerados. É preciso lembrar a ligação do MST, e do seu braço urbano, o MTST, com o PT.

Ricci acredita que, por mais que os movimentos estejam insatisfeitos com os rumos da gestão Dilma Rousseff, avaliam que o quadro seria pior com a vitória da oposição na eleição de outubro.

Ainda para ele, a onda de insatisfação é resultado da ascensão social dos últimos anos.

– Toda mobilidade social muito grande e muito rápida provoca essa efervescência de reivindicações. Nos Estados Unidos, houve um grande crescimento da classe média nos anos 50 e a eclosão de conflitos raciais em seguida.

Ricci também avalia que, no Brasil de hoje, o grande conflito é urbano, e o MST, depois de ter a sua base no campo desmobilizada por causa do Bolsa Família, passou a atuar na cidade por meio do MTST.

– A franja social urbana passou a ser muito importante nessa concepção de luta – afirmou o sociólogo.