CVM acusa 40 executivos da Petrobras.

Deu ontem n’O Globo (P. 21), na matéria de Rennan Setti:

Ex-administradores teriam ignorado indícios de que Comperj e Abreu & Lima valiam menos do que o registrado.

LINK – https://oglobo.globo.com/economia/cvm-acusa-40-executivos-da-petrobras-22499761

COMENTÁRIO

Por que acreditamos – neste OCI – na validade da Auditoria Funcional da Comunicação que propomos:

  1. Somos – todos os que atuam formalmente em negócios – burocratas. Ou seja, acreditamos no ‘regime do escritório’ (‘bureau’ + ‘cratia’), acreditamos em papéis (no meio acadêmico, então, somos escravos das estampilhas – tanto quanto os tabeliães e cartorários).
  2. Corolário do ‘statement’ 1; até a medição de obras físicas (na Engenharia Civil), de estoques (de safras agrícolas, por exemplo), e de saldos bancários (dinheiro, ‘cash’) traduz-se em documentos. Certificados por outrem ou não, são meras folhas de papel.
  3. Corolário ao ‘statement’ 2; o jornalismo, a propaganda e a divulgação de informações de caráter institucional (de responsabilidade técnica de relações-públicas no Brasil) também se corporificam na palavra escrita, impressa ou não, mas sempre ‘no verbo’.

Analisando a notícia clipada (link acima), temos:

  • ‘Administradores ignoraram indícios…’. Ora, como esses indícios se parecem? E como aparecem? Em filmagens da Refinaria ‘ruivinha’ de Pasadena? Nos relatórios (incompletos) de Nestor Cerveró? Tem-se notícia de que o Conselho de Administração da Petrobras teria visitado, in loco, o canteiro (ou a ‘planta’) do Comperj e da Refinaria de Abreu & Lima? Ou, ao menos, sobrevoado as obras? Fotos seriam documentos aceitáveis? Mesmo na era da digitalização e da mixagem ‘PhotoShopada’?
  • ‘A companhia – Petrobras – deveria ter reconhecido baixas contábeis nos ativos de 2010 a 2013, o que não aconteceu…’. Como se reconhecem baixas contábeis senão por meio de papéis, justificativas, explicações, calhamaços? E o que há de mais significativo nesses relatos? Números. E quem lê – bem – números? E números contábeis? Quem sabe o que é correção monetária do ativo diferido? Ou provisão legal para depreciação acumulada? De novo, o verbo.
  • ‘Para a CVM, a maioria dos acusados falhou no dever de diligência e prejudicou a empresa e os investidores…’. O que é diligência? Coisa? Ou conduta? Alguém aí aprendeu o que é ‘ser diligente’ na faculdade, ou no MBA, ou no doutorado? Um palpite: diligência é norma de conduta. Ah, então, deve constar de algum Código de Conduta. OK, vamos supor que o dirigente ‘X’ foi diligente. Como sua diligência atingiu os investidores – sobretudo aqueles que não estão próximos ao dia-a-dia da empresa (os tais ‘minoritários’)? Num relato? Olha aí, de novo, sua majestade, ‘a palavra’ – escrita, dita, ou gritada na assembleia geral.
  • ‘Ao ter adotado procedimentos inadequados para a elaboração, ou não, desses testes de recuperabilidade de ativos, (…) a administração divulgou informações econômico-financeiras com o potencial de induzir o investidor (e demais terceiros interessados) a erro de julgamento…’ (conclusão de Fernando Soares Vieira, superintendente de Relações com Empresas da CVM, na acusação). Divulgar é dar publicidade, ‘publicizar’. Porém, se o conteúdo de tal divulgação é falso, incompleto ou enviesado, um determinado grupo de interessados (stakeholders) pode ser levado a mal decidir por erro de julgamento – está aí o fulcro da questão da responsabilidade técnica (RT) que a Lei 5.377/1967 prevê e que ninguém cumpre.
  • ‘Nas demonstrações de 2010, a Petrobras sequer fez teste de impairment sobre Abreu & Lima, violando, segundo a CVM, uma regra contábil que trata do valor recuperável dos ativos…’. A tecnicalidade é difícil, mas não pode resistir à vontade de se esclarecer. Impairment é uma palavra inglesa que significa, em sua tradução literal, ‘deterioração’. Em Ciências Contábeis, é uma regra segunda a qual uma companhia deverá efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados nos seus ativos imobilizado e intangível (parágrafo 3 do artigo 183 da Lei 6.404/1976 – Lei das Sociedades Anônimas). Ou seja; registrou-se nos livros contábeis (e consequentemente nos balanços e demais relatórios financeiros) valores que não correspondiam à realidade. E o que é uma linha em um balanço senão texto impresso numa folha de papel? Bem entendido que se supõe que alguém, um dia, irá ler tal folha de papel.
  • ‘Nas contas daquele ano [2014], a companhia reconheceria baixas contábeis de R$ 44,600 bilhões, dos quais R$ 21,833 bilhões provocadas pelo Comperj e R$ 9,143 bilhões, por Abreu & Lima…’. O que é uma ‘perda contábil’? Algo que valia ‘Y’ no balanço do ano anterior, no balanço deste ano vale R$ 44,600 bilhões menos. Como isto se ‘concretiza’ senão por pareceres de avaliadores – mais, ou menos, independentes e dignos de crédito – que escrevem… relatórios? Como um investidor que ao fim de um ano espera um ganho fica sabendo que, além de não tê-lo, conta com um patrimônio menor – ou seja, com ainda menos capacidade de lhe dar retorno?

Pois é. Parece que a ‘comunicação’ atual – dos relatórios financeiros – não está atendendo suficientemente à demanda por transparência das operações – um dos pilares da governança corporativa. É preciso mais.

Para que o investidor institucional, o acionista minoritário, o cidadão brasileiro, enfim – que também é ‘dono’ da Petrobras (como de todas as demais estatais, em todas as esferas do poder) – tome conhecimento e compreenda o resultado de um processo de gestão (exatamente como acontece todos os meses nas suas reuniões de condomínio…), é preciso um esforço específico (e para cada caso de organização o ‘meio’ para tal pode ser distinto) para uma entrega expressa (deliverance) de informações – numa transparência que classificamos ‘ativa’. O resto – jogar a responsabilidade da obtenção de uma informação nas costas de quem a solicita – é transparência passiva, e esta já não está dando mais conta das demandas da cidadania em relação aos negócios (públicos, privados e do terceiro setor).

Transparência não acontece por acaso. Não vem por default. Nossa tese é: só uma Auditoria Funcional da Comunicação (institucional, bem entendido, que não é trabalho de propaganda ou de assessoria de imprensa), pode garantir transparência, de fato, de uma organização perante os seus grupos de stakeholders.

Sobre Marcondes Neto

Bacharel em Relações Públicas pelo IPCS/UERJ. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, sob a orientação de Margarida Kunsch. Professor e pesquisador da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. Editor do website rrpp.com.br. Secretário-geral do Conrerp / 1a. Região (2010-2012).