Construindo e pagando opinião. Por Carlos Brickmann, para o Observatório da Imprensa, em 24/03/2015.

Circo da Notícia, 24 de março de 2015.

O documento sobre a política de comunicação do Governo Dilma, atribuído à Secretaria de Comunicação, derrubou o secretário Thomas Traumann (ao que tudo indica, ele irá para a Petrobras, no lugar de Wilson Santarosa, que ocupava o cargo desde o início do Governo Lula). É uma característica deste Governo: Traumann, como o ministro da Educação, Cid Gomes, perdeu o cargo por falar a verdade.

E nesta área de Comunicação, a verdade, como diria a presidente Dilma, é estarrecedora: diz-se claramente no relatório que há um trabalho remunerado de produção de opiniões. Uma fonte central, dentro do Governo, cria os argumentos a ser usados por profissionais assalariados que se apresentam como jornalistas independentes (“A guerrilha política precisa ter munição vinda de dentro do governo, mas ser disparada por soldados fora dele”) e repetidos não apenas por internautas que apoiam a política estadual, mas por batalhões de robôs, programados para atulhar as redes sociais com as posições chapa-branca e criar a impressão de que a maioria da população pensa do mesmo jeito. O linguista americano Noam Chomsky, ídolo da esquerda no mundo inteiro, chama esse processo de “fabricação de consenso”.

Sai caro: experimente o caro colega distribuir diariamente algumas dezenas de milhares de e-mails e terá um bom exemplo do custo desse trabalho. Mas não é só isso: os robôs precisam ser munidos de milhares de perfis falsos na rede, e montá-los para que sejam aceitos exige profissionais habilitados, trabalhando em tempo integral. É preciso manter satisfeitos com a posição de apoio ao Governo vários órgãos de imprensa e profissionais. É tudo muito caro, exige estrutura e pessoal técnico, exige equipes pensantes.

É só a área de Comunicação do Governo Federal que faz isso? Não, infelizmente não: diversos governos estaduais e partidos com acesso a verbas fartas entraram no jogo, com imensos parques de robôs e muito dinheiro na parada. O Governo Federal se destaca, entre os múltiplos DCs (Departamentos de Chutes) no, digamos, lá mesmo – por ser muito maior que os outros, por ter em sua área de atuação empresas de grande porte, por ter a possibilidade de convencer companhias que não fazem parte de sua estrutura a cooperar com os esforços de difusão da verdade oficial. Mas, no geral, basta acompanhar os orçamentos de publicidade do Governo Federal, dos Governos estaduais, das administrações municipais: qual outra explicação teriam para a multiplicação, ano a ano, dos gastos publicitários?

Dizem que há gente do Governo Federal defendendo a tese de que é preciso redistribuir a propaganda oficial, prejudicando os veículos que fazem oposição e prestigiando os que acham Aloízio Mercadante simpático e José Eduardo Cardozo competente. Há quem considere que isso é um absurdo, usar verbas públicas para prestigiar as autoridades de plantão.

Bobagem: a questão fundamental é outra. Se o Governo não tem concorrentes, não disputa mercado, não oferece produtos, se o pagamento de impostos não é voluntário, mas obrigatório, por que precisa gastar em propaganda?

A mão na massa

Há casos em que a publicidade oficial se justifica: em campanhas de utilidade pública (vacinação, prevenção de moléstias), em publicação de editais de concorrência pública ou assemelhados, em anúncios de empresas estatais que disputam a preferência do mercado (bancos, Sedex, combustíveis, lubrificantes). Uma empresa como a Sabesp, que fornece água e esgotos, não tem motivo para anunciar: o cidadão domiciliado em sua área de influência não pode optar por outra empresa. Fora os setores competitivos e de divulgação obrigatória (e talvez em algum outro, que no momento escapa ao colunista) é jogar fora o dinheiro público. Pior: o que não é jogado fora é usado para fins que ninguém ousaria defender em público. Pensem num governante afirmando, em frente às câmeras, que gasta o dinheiro dos contribuintes em publicidade, para melhorar a votação de seu candidato. Não pode, né?

Há outros ralos, claro. No Petrolão, o esquema de subtração de recursos da Petrobras, com o uso de parte dele para financiamento de partidos políticos, mostra isso. Mas a drástica redução da publicidade oficial, se não fecha todas as saídas, geraria boa economia, mostraria à população que há vontade de gastar melhor o dinheiro público e, melhor do que tudo, faria aquilo que há tantos anos preconizavam em Maria Moita os grandes Carlos Lyra e Vinícius de Moraes: por pra trabalhar gente que nunca trabalhou.

A voz de quem sabe

A propósito de propaganda oficial, está saindo um livro excelente, da maior importância: O Estado de Narciso, do jornalista Eugênio Bucci. Bucci é professor de Comunicação, foi presidente da Radiobras no Governo Lula, trabalhou em boas redações, é petista há mais de trinta anos. Conhece o monstro da publicidade oficial por dentro e por fora. E sabe que esse tipo de propaganda é uma máquina de promoção de políticos, que constroem sua imagem à custa de dinheiro público.

“Antes a propaganda existia para dar visibilidade ao que o Governo supostamente fazia. Hoje as obras, sociais ou não, existem para dar materialidade à propaganda”, diz Bucci.

O esquema foi montado de tal maneira que mesmo iniciativas que deram certo em outros países, como as tevês públicas, no Brasil não funcionam exceto como propaganda oficial: os governantes indicam os diretores e liberam (ou não) as verbas necessárias para o trabalho. É assim no Governo Federal petista, com a TV Brasil, é assim no Governo tucano paulista, com a TV Cultura. Gasta-se dinheiro de todos em benefício dos políticos que estão no poder.

Da mesma maneira funciona a publicidade oficial: como pura e simples promoção de quem está no poder. Isso vale para todos os níveis de Governo: dos anúncios de benesses sociais, federal e petista, à propaganda da Sabesp, estadual e tucana. A propaganda da Sabesp, diz Bucci, foi usada para facilitar a reeleição do governador Geraldo Alckmin apesar dos problemas de abastecimento de água. Não é só isso: antes da falta dágua, já se fazia propaganda da Sabesp em rede nacional de TV, embora a empresa atue apenas em âmbito estadual. Seria maldade dizer que foi uma maneira de agradar emissoras e redes que teriam importância nas eleições nacionais seguintes? Bucci não chega a esse ponto. Mas, do ponto de vista deste colunista, é uma ilação que se pode tirar a partir de suas observações.

É um livro que vale a pena. E que ajuda a entender porque as administrações gastam tanto do nosso dinheiro inventando slogans e elogiando-se por não fazerem mais do que sua obrigação.

Perguntas, perguntas, perguntas

Entrevista da presidente Dilma Rousseff, um dia depois das grandes manifestações de rua. É uma oportunidade rara: Dilma não gosta de falar com jornalista e nunca fez questão de escondê-lo. Raras são suas coletivas. E mais raras ainda entrevistas ao vivo, no calor da hora.

Nenhum dos repórteres – a elite de cada jornal, o pessoal de Brasília que cobre o Governo – se limitou a uma só pergunta: cada um emendou três perguntas, no mínimo, dando à entrevistada a oportunidade de ouro de só responder à mais fácil, à mais conveniente, e esquecer as demais. Talvez nem tenha sido de propósito: tratava-se de uma entrevista, não de uma gincana para saber quem era capaz de decorar mais perguntas. Mais ainda, o repórter fazia sua série de perguntas, nenhuma contundente, a entrevistada respondia a uma delas e esquecia as outras, e não houve entrevistador que sequer fizesse menção às perguntas esquecidas.
Se o entrevistado pode escolher à pergunta que vai responder, por que os veículos de comunicação pagam o salário dos pauteiros?

Adeus, amigo

Mineiro, paulista, pernambucano; um grande jornalista. Paulo Sérgio Scarpa, ex-Folha, ex-Jornal do Commercio, 66 anos, morreu na semana passada no Recife, vítima de câncer. Scarpa sempre trabalhou na área cultural; e, mais do que entender do assunto, era apreciador das artes. Não perdia ópera, não perdia bons espetáculos de teatro, era fã de música popular de qualidade, adorava música erudita. E, principalmente, era boa gente. Já faz falta.

Afogando em números

1 – Um grande jornal impresso, de circulação nacional, diz que a manifestação do dia 15 foi a maior depois do comício da Praça da Sé pelas Diretas-Já, no dia 25 de abril de 1984, “que reuniu 400 mil pessoas”. O tempo passa, o tempo voa, o mundo gira, a Lusitana roda, mas número é número: logo após o comício, o mesmo jornal informava que ali havia 300 mil pessoas.

(A propósito, o comício das Diretas-Já na Praça da Sé ocorreu em 25 de janeiro. O de “25 de abril” foi em 16 de abril, ocorreu no Vale do Anhangabaú, e o jornal falava em um milhão de participantes).

2 – Um grande jornal impresso, ao publicar a lista de empresas que contrataram os serviços de consultoria de José Dirceu, cita erroneamente as contribuições de cinco delas. A diferença entre os números publicados e os corretos varia de menos R$ 180 mil a mais de R$ 2,23 milhões. Coisa pouca.