O jornalismo e o mito das redes sociais.

A história se repete. Sempre que surge algo novo no maravilhoso mundo da comunicação, os trombeteiros de plantão também anunciam que será o fim de outro que já existe. Foi assim com o rádio quando surgiu a TV, ou com o jornal impresso com o surgimento da internet. Cá estamos e, graças a Deus, nenhum morreu ainda.

Ao contrário! Estão se reinventando. O rádio, por exemplo, apontado como o que mais sofreria com essas novidades tecnológicas continua mais útil do que nunca. É um dos veículos que talvez melhor tiram proveito atualmente da força dessas novas mídias. Isso vale para a TV e vale também para o jornal impresso. Cada um, guardadas as devidas proporções, estão sobrevivendo e se adequando ao mundo digital.

Mas vamos falar sobre algo muito mais amplo: o fazer jornalismo em tempos de redes sociais. Hoje, se exige do jornalista que ele seja também um especialista nessa área. Até aí tudo bem, o problema é quando exigem que ele seja só um ‘fazedor’ de cards para redes sociais, como se a gestão dessas mídias se resumisse a isso.

Em primeiro lugar, ninguém em sã consciência, especialmente o jornalista, pode ignorar a força das redes sociais. E no nosso caso (sou jornalista) há uma questão muito maior: somos produtores de notícias. A nossa matéria-prima é a informação, a notícia, os fatos! E claro que também precisamos entender e saber como utilizar a linguagem das redes sociais para a produção dessas notícias, a fim de se alcançar o seu objetivo.

Isso não é moda! É básico. Aprendemos sobre isso nas aulas de jornalismo e nos aperfeiçoamos diariamente. É, portanto, nossa obrigação! As redes sociais estão aí e são mais uma ferramenta de comunicação à disposição do jornalista ou outro profissional de comunicação. Sendo assim, no mínimo, temos que saber como usá-la, entender sua linguagem e tirar-lhe o máximo proveito.

A questão é que depois das eleições de 2018 em que o presidente Jair Bolsonaro fez sua campanha exclusivamente através das redes sociais, algumas pessoas acham que não existe mais vida no jornalismo sem as redes sociais. Nessa ‘onda’ todo mundo, especialmente do meio político, quer um ‘especialista em redes sociais’ ou ‘social mídia’ para cuidar de sua comunicação, com a ilusão de que o transformará em fenômeno midiático.

As redes sociais não vão salvar o mundo ou transformar a imagem de ninguém. Repetindo: elas são mais uma ferramenta de comunicação para transmitir mensagens, envolver e facilitar a interação com o leitor. Mas, se esse profissional que está por trás não entender de comunicação, em especial de comunicação política, também não servirá para muita coisa.

É verdade que Bolsonaro soube como ninguém usar o poder e a amplitude das redes sociais para se comunicar com o eleitor, em especial, depois que sofreu uma tentativa de assassinato e foi forçado a sair da campanha de rua. Deu tão certo que foi eleito. Mas Bolsonaro não passou a usar tais ferramentas só no período eleitoral. Ele já as usava e também intensificou o corpo a corpo com o eleitorado a partir de 2014, quando decidiu ser candidato em 2018.

Viajou país afora para se tornar conhecido e reconhecido pela população para além dos limites do Rio de Janeiro, sua base eleitoral. Ou seja, Bolsonaro não é um fenômeno das redes sociais. É um fenômeno em si mesmo, que soube aproveitar bem essa ferramenta, que está à sua disposição, assim como está à disposição de qualquer pessoa. Basta saber usar.

Mas uma coisa é campanha, outra é governo. E governo nenhum conseguirá levar um mandato de quatro anos sem o jornalismo, sem a imprensa, sem assessores de imprensa que entendam de marketing digital e de planejamento, sem porta-vozes. Nenhum deputado, senador ou gestor público sobrevive sem comunicação para além das redes sociais! Quem achar que comunicação governamental e política se resume a tuítes, postagens e cards bonitinhos em Facebook e Instagram cairá em um grande e desastroso erro.

Relacionamento com a imprensa é fundamental. Planejamento, também. Porta-voz, idem. Unificação do discurso, super necessário. Isso tudo, naturalmente, inclui as redes sociais como nova ferramentas de relacionamento com o público para quem se quer falar. Enfim, estamos falando de comunicação no seu todo.

Ana Cristina Guedes é jornalista, especialista em Comunicação Institucional e Comunicação Política, e Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Valladolid, na Espanha.