- Vamos falar de transparência na prática?

Peguemos um produto popular – leite longa-vida – presente em nosso dia a dia, e analisemos seu discurso; aquilo que nos ‘é dito’ pela empresa fabricante via embalagem (que é reprodução, aliás, do conteúdo presente no website www.parmalat.com.br):

1) Garantia da Qualidade do leite recebido

O que é dito?

‘Nas fábricas, o leite só é aceito após passar por uma bateria de testes muito rigorosa, utilizando equipamentos de última geração’.

Será que a qualidade deste leite merece o ‘q’ maiúsculo? Como podemos saber? Que ‘bateria’ de testes’ é esta? Será que ‘última geração’ de equipamentos não é apenas uma frase de efeito?

2) Rígido controle no processo de produção

O que é dito?

‘O leite Parmalat passa por aproximadamente 1.000 testes de checagem na qualidade ao longo da fabricação’.

Será? Um produto cuja unidade custa 1 dólar na gôndola do supermercado banca mil testes? Que ciência é esta que produz mil testes? São mil testes diferentes ou mil vezes do mesmo teste? Testes de checagem? Que cheque é este, testado? Parece mero jogo de números e palavras.

3) Segurança alimentar

O que é dito?

‘Leite produzido por sistema totalmente fechado e seguro, sem contato com o ambiente exterior’.

Quem atesta a segurança do tal ‘sistema’ fechado? Como será que o leite que sai das vacas chega ao ambiente anódino mostrado no vídeo exibido no website?

4) Qualidade do produto final

O que é dito?

‘O leite só é liberado para o mercado após passar por alguns dias de rigorosas testes de qualidade e inspeções com exclusiva tecnologia europeia’.

Será? Produto final (leite na caixa) passa ‘alguns dias’… e o que isto ‘rigorosamente’ testa? Inspeções? Serão do mesmo Serviço de Inspeção Federal que foi desnudado pela recente Operação ‘Carne Fraca’ (pela Polícia Federal), e na qual viu-se quem e como se fiscaliza alimentos no Brasil? Que colonialismo de ‘tecnologia europeia’ é este, em pleno século XXI?

O website é mera reprodução do que consta na embalagem do produto. Alguém (muito provavelmente um ator), vestindo o mesmo indefectível jaleco branco dos reclames de sabão em pó, colchões e dentifrícios, faz um ‘storytelling tati-bitati fofinho’ de pouco mais de um minuto sobre o processo de produção (que não é mostrado). Uma comunicação – infantil – é toda dirigida para a… criança, sem se esquecer das idílicas vaquinhas malhadas num verde pasto gigante. Pode isso?

Parece até um trailer brasileiro do – ótimo – documentário ‘Food inc.’ (‘Comida S.A.’), de Robert Kenner. LINK – https://www.youtube.com/watch?v=smk2xq2l3Ig

O que quer dizer-nos este selo ‘QUALIDADE / parmalat / COMPROMISSO / 5 estrelas (desenhadas)’?

A Sociedade Educativa Observatório da Comunicação Institucional (O.C.I.) luta pelas causas da transparência e da comunicação pública. Seu mote instiga a todos: ‘muito além do discurso’. É, de fato, preciso ir.

Sobre Marcondes Neto

Bacharel em Relações Públicas pelo IPCS/UERJ. Doutor em Ciências da Comunicação pela USP, sob a orientação de Margarida Kunsch. Professor e pesquisador da Faculdade de Administração e Finanças da UERJ. Editor do website rrpp.com.br. Secretário-geral do Conrerp / 1a. Região (2010-2012).